Carência e descontinuidade de recursos e burocracia são
entraves para o setor
de ciência, tecnologia e inovação.Marcelo Camargo/Arquivo
Agência Brasil
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A carência e a descontinuidade de recursos, além da
burocracia excessiva para o desenvolvimento de pesquisas são apontadas por
especialistas ouvidos pela Agência Brasilcomo os maiores entraves e
desafios a serem enfrentados pelo setor de ciência, tecnologia e inovação
(CT&I).
Embora os benefícios para a saúde ainda sejam os mais
lembrados quando se fala no assunto, a presidenta da Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, diz que o setor está presente em
praticamente tudo no dia a dia das pessoas. Segundo ela, os últimos 20 anos
foram de crescimento para a área. “O Brasil começou tarde como educação e como
ciência e, em poucos anos, conseguimos dar um salto. Conseguimos a estabilidade
econômica que nos permitiu olhar para outros gargalos do país. Houve a expansão
da universidade pública brasileira e a compreensão de que ciência não é gasto,
é investimento”, disse a professora.
O interesse dos brasileiros pela área também vem aumentando
ao longo dos anos, destaca a pesquisa Percepção Pública da Ciência e
Tecnologia no Brasil, realizada pelo Centro de Gestão e Estudos
Estratégico. Os últimos dados do estudo apontavam crescimento do
interesse pelo setor, de 41% para 65%, de 2006 para 2010. O estudo com dados de
2014 deve ser divulgado ainda este ano.
Para o presidente do Conselho Nacional das Fundações
Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Sérgio Gargioni, o próximo governante
do país terá de pensar estrategicamente no aumento do orçamento para a pesquisa
no Brasil. “O orçamento em geral tem valor razoável, mas sempre há contenção ou
encargos adicionais. Pelo número que se vê, o orçamento do ano que vem é pífio,
então precisamos que ele seja ampliado e que os recursos sejam para atender o
interesse dos pesquisadores”, disse Gargione.
O Projeto de Lei Orçamentária Anual, enviado para aprovação
pelo governo federal ao Congresso Nacional, tem previsão de destinar R$ 7,234
bilhões para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em 2015, o que
representa um aumento de R$ 365 milhões se comparado ao reservado para 2014.
O presidente da Academia Brasileira de Ciência (ABC), Jacob
Palis, defende que os investimentos no setor alcancem o percentual de 2% do
Produto Interno Bruto. “Atualmente esse percentual fica em torno de 1,2%, já
houve a intenção de aumentar, mas o país tem tantas necessidades que às vezes
esses investimentos ficam perdidos. Países como a China já estão atingindo 2%,
com bons projetos. E a ciência brasileira está madura para fazer boas propostas
e competente para desenvolver os projetos, para que nossos produtos tenham
valor agregado e o país não exporte apenas produtos primários”, disse Palis.
A Academia Brasileira de Ciências apresentou um documento aos presidenciáveis com
propostas e contribuições para a área. O documento foi subscrito pela Confap e
pela SBPC. Além do aumento dos investimentos, a entidade sugere a ampliação da
cooperação internacional, a criação de condições favoráveis para aproveitamento
dos jovens do programa Ciência sem Fronteiras, a criação de novos institutos
para interação da ciência com o setor empresarial, o fortalecimento do papel do
Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) como órgão assessor da
Presidência, a criação de incentivos ficais para empresas doadoras, como já é
feito na área cultural e a equiparação dos salários entre os professores do
ensino básico e os dos colégios federais.
A presidenta do SBPC destaca outro “problema gravíssimo” em
relação ao financiamento. Segundo ela, os principais recursos do Fundo Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) vinham do CT-Petro, o
primeiro fundo setorial do Brasil, para estimular a inovação na cadeia
produtiva do setor de petróleo e gás natural. “Com a aprovação da nova lei do petróleo,
o CT-Petro deixou de existir como tal e o dinheiro vai para o Fundo Social do
Pré-Sal, de onde sairá 50% dos recursos para saúde e educação. Então o FNDCT
vai minguar, mas estamos lutando pelo restante do fundo social, por pelo menos
10% para ciência, tecnologia e inovação”, disse Nader.
“Só temos esse dinheiro porque cientistas brasileiros, ao
longo de quatro décadas, junto com a Petrobras, desenvolveram uma tecnologia,
que não foi importada, para perfurar e achar a camada pré-sal. Então nada mais
justo do que ter uma porcentagem da receita. O clamor das ruas foi por saúde e
educação e estávamos brigando por isso. Mas saúde também depende de ciência e
tecnologia e se o Brasil quer apostar e ser uma nação de primeiro mundo tem que
investir em ciência, tecnologia e inovação”, disse Helena Nader.
Nesse caminho, a inovação ocorre quando os resultados de uma
produção científica chegam ao mercado, quando eles são incorporados à
sociedade. Para o presidente da Associação Brasileira das Instituições de
Pesquisa Tecnológica e Inovação (Abipti), Cláudio Violato, movimentos positivos
podem ser vistos nesse campo, como os programas que estimulam a pesquisa e o
desenvolvimento no ambiente empresarial e a criação dos fundos setoriais há
alguns anos, para alocação de recursos específicos em 16 áreas, como
biotecnologia, engenharia de transportes e informática e automação.
Violato diz que o contingenciamento de recursos por parte da
União interfere na continuidade das pesquisas. Para ele, o futuro do Brasil
depende da capacidade de inovar, de empreender, e o governo é um instrumento
importante de promoção e financiamento. “Quando ele [o governo] suspende os
recursos, prejudica e retarda um processo de pesquisa, tudo o que foi feito até
então está perdido. Então, às vezes, se gasta o dinheiro sem chegar a um
resultado”, disse Violato.
Além do contingenciamento, outro entrave citado pelos especialistas
para garantir recursos públicos é a legislação sob a qual os centros de
pesquisa precisam trabalhar. A Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, que normatiza
as licitações e os contratos públicos, na avaliação dos especialistas, é
burocrática e atrasa os trabalhos. “Essa lei é totalmente incompatível com
pesquisa e desenvolvimento. Ciência não é como um projeto de engenharia, temos
que considerar alternativas”, disse Violato.
Os especialistas defendem o Regime Diferenciado de
Contratações (RDC) para atividades de pesquisa e desenvolvimento. Segundo
Sérgio Gargione, o tempo desperdiçado com burocracia acaba se refletindo no
atraso das pesquisas. “Ciência não é como uma obra, com resultados
pré-determinados. A pesquisa pode demorar dois anos, cinco anos, dez anos e há
um entendimento errôneo em controlar compras e despesas de insumos, quando o
investimento principal é o pesquisador”, disse o presidente da Confap.
O chamado Código de CT&I, em tramitação no Congresso
Nacional, é constituído pelo Projeto de Lei (PL) 2.177/2011, a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 290, o RDC para o setor e a elaboração da Lei da
Biodiversidade, a cargo do Ministério do Meio Ambiente. Esta última será
tratada em um segundo momento, para não travar as demais propostas.
Entre as modificações previstas no código, estão uma
abertura maior na relação com a iniciativa privada, a flexibilização dos
recursos, com a definição do que é custeio e o que é investimento em pesquisas
e a definição dos conceitos de atividade meio e atividade fim.
Para Sérgio Gargione, é preciso um entendimento de que as
questões emergenciais do país não vão sair da pauta se não os problemas
estruturais não forem revistos. “A visão de que uma empresa tem que ser
sustentável e competitiva também serve para o país. Para fazer todo o sistema
funcionar, é preciso continuidade de recursos, sem burocracia e com agilidade
de decisão. A comunidade científica produz menos do que deveria porque esse
aparato não funciona. Em qualquer outro país o 1% [do PIB] rende muito mais.”
O presidente da Abipti, Cláudio Violato, defende a
existência de uma forma de avaliar a produção dos grupos de pesquisa. “Não
adianta aplicar os recursos, com incentivos fiscais ou diretos, apenas porque o
grupo existe, tem que ver também se ele está produzindo, gerando resultados e
tramitando no mercado”.
Para Violato, o empreendedorismo precisa estar presente no
dia a dia da educação. “Precisamos desenvolver o clima de inovação, começar a
incutir nos jovens a possibilidade de empreender, de desenvolver novas
tecnologias. O brasileiro é muito criativo, mas na hora de arriscar, o ambiente
brasileiro não favorece de fato. A Lei de Inovação já criou esse ambiente
dentro da universidade e agora há que se medir os resultados e fazer as
correções de rumo”, disse Violato.
Sancionada em 2004, a Lei de
Inovação contempla diversos mecanismos de apoio e estímulo à
alianças e ao desenvolvimento de projetos cooperativos entre universidades,
institutos tecnológicos e empresas nacionais.
Fonte: Agência Brasil