Não foi por acaso que o impulso de vida de Kay a tenha levado para um lugar que se projeta como exemplo de valorização da teia da vida. Com 5% de toda a biodiversidade do planeta, mas numa área equivalente à do Rio Grande do Norte, a Costa Rica mantém um quarto de seu território como área protegida e está a caminho de se tornar o primeiro país carbono neutro do mundo (que não emite mais carbono do que consegue capturar com a manutenção de suas florestas e outros serviços ambientais). Isso tem tudo a ver com suas condições únicas. É diversa em espécies e em ecossistemas - característicos tanto no litoral caribenho como na Costa do Pacífico, nas serras e nos montes vulcânicos. E tem muito a ver com florestas e com querer, e saber como, preservá- las. Nesse país tão verde, o lugar que se mantém mais conservado é a Península de Osa, onde está a Baía Drake, que o aviãozinho vai deixando para trás. Conta-se que foi nessa região, com aparência de paraíso intato há dezenas de milhões de anos, que o escritor Michael Crichton se inspirou para criar aIsla Nublar, cenário de seu Jurassic Park.
Kay e Jay, contudo, não escolheram seu destino por isso, mas porque, entre os 35 parques nacionais e as oito reservas biológicas da Costa Rica, o lugar mais provável para avistar as araras-vermelhas é o Parque Nacional Corcovado, a que se chega a partir de Drake. Corcovado é a maior área de floresta nativa na costa do Pacífico, tida como uma pequena Amazônia da América Central. Tem oito habitats, de mangue a montanha. Ali só há duas estações: chuvosa e muito chuvosa. É a floresta tropical úmida, em alguns aspectos semelhante à brasileira, com enorme riqueza de vida.
É admirável que os sistemas vivos se expressem de tantas formas diferentes, adaptando-se uns aos outros e ao ambiente, cada um com sua maneira muito própria de "interpretar" a energia que transformam a partir da luz solar, da umidade e dos minerais. Só em Corcovado há 400 espécies de pássaros, 116 de anfíbios e répteis, 139 de mamíferos, além de variedades botânicas.
Foi em outro parque, dias antes, quando tive o primeiro contato com a floresta na Costa Rica, que meus olhos foram atraídos pela multiplicidade de tons de verde. Durante a visita ao Bosque Lluvioso Caribe y Pacífico, em um trajeto de teleférico, pude observar as copas das árvores de cima e comecei a fazer fotos com iPhone para registrar essa variedade. Mais tarde comecei a publicá-las no Instagram, que é ao mesmo tempo aplicativo e rede de compartilhamento de fotos.
Notei que cada conjunto de folhas parecia "interpretar" a luz do sol à sua maneira. Era como se as folhas, em incessante fotossíntese, tivessem de se exibir numa variedade imensa de tons de verde em que a repetição não é a chave, e a melhor cor, se houver, será sempre a próxima. Território livre para testar fotos com luminosidade alterada, o Instagram se mostrou ideal para registrar todos esses verdes. Fiz muitas fotos com iPhone e algumas com uma Canon de bolso, a G12. Antes de publicá-las, realcei as tonalidades com o aplicativo Snapseed. E, para que esse conjunto não se perdesse no oceano de 5 bilhões de fotos do Instagram, publiqueio sob a hashtag #50tonsdeverde(acesse também pelo instagram.com/caco001).
No dia em que conheci Jay e Kay, no café da manhã no hotel, algumas pessoas mostravam as demais fotos da véspera. Jay é um exímio observador de pássaros e estava equipado com uma Nikon com duas possantes teleobjetivas. Acabaram vendo minha coleção de tons de verde e, nas caminhadas, Kay chegou a me sugerir alguns dos registros que eu viria a fazer, sempre torcendo para que o próximo fosse da arara- vermelha. A população de Ara macao, ou guacamayo rojo, como diz o costariquense, ou scarlet macaws, como falava Kay, já foi comum nas planícies de todo o país, mas agora está restrita a poucos lugares. No Parque Corcovado às vezes é possível apreciar a revoada de um bando que chega para se banquetear nas amendoeiras à beira da praia.
Exploramos o Parque Corcovado em um pequeno grupo. Numa das paradas, conversamos um pouco sobre outros lugares da Costa Rica, e confirmei, ali, a boa impressão que tinha da gestão dos parques. No Bosque Lluvioso, de administração privada, fiquei surpreso com o cuidado com a acessibilidade. Ali é possível entrar no coração da floresta na companhia de alguém de 100 anos, de uma criança de dois ou de um cadeirante. A experiência é memorável, confortável - e acessível. No Parque Corcovado e na Reserva Biológica de Isla del Caño, ambos geridos pelo governo, a estrutura, ainda que mais modesta e rústica, é primorosa se comparada à da maioria das áreas de conservação da América Latina. O mundo tem algo a aprender com a Costa Rica.
O Brasil muito ganharia observando as gestões ambiental e de turismo desse país que preferiu não ter Exército e que experimenta dar valor a ativos que, se não financeiros agora, fazem parte da riqueza essencial. É o tal capital natural, que, somado ao crescente capital relacional, tem feito da nação um lugar de influência inversamente proporcional a seu tamanho. Merecem atenção a agrofloresta (a produção de café orgânico junto das matas nativas tem produtividade maior que a das plantações "normais") e as políticas de incentivo ao verde (o governo paga até quando você faz uma cerca viva).
Ao fim da jornada, a constatação de que não seria dessa vez que veria a arara-vermelha parece não ter decepcionado Kay. Ela viu muito mais do que esperava, pois é isso o que acontece quando se está em ambiente muito diverso. E, quando o aviãozinho chegou à capital, San José, onde nos despedimos, Kay me disse que havia de voltar ao país. Afinal, como ainda não vira as araras, continua sem autorização para morrer e, portanto, tal qual a Costa Rica, é melhor que celebre a vida. Fonte: Planeta Sustentável