USP destrói raro Cerrado em São Paulo onde seria construído "Museu Vivo"

Um polêmico conjunto de obras para o “Parque dos Museus” e o novo Centro de Convenções teve início há três anos na Cidade Universitária da Universidade de São Paulo (USP). O problema é que o local escolhido abrigava uma extensa mancha de vegetação próxima à Faculdade de Veterinária, o que provocou diversos protestos.


Em nota, a USP prestou esclarecimentos sobre o corte de árvores em que uma das justificativas afirma que diversas das árvores eram exóticas, ou seja, de origem estrangeira, e muitas também invasoras, veja aqui. O que não se sabia ou não se levou em consideração foi a existência de uma área nos fundos do terreno, e mais escondida da visão do público, que abrigava uma vegetação ancestral e praticamente extinta na cidade de São Paulo: os Campos-Cerrados.
Essa formação nativa, de grande biodiversidade, já existiu em profusão na metrópole, a ponto de nomear bairros como “Campo Belo” e “Perdizes”. Entretanto, foi desaparecendo do território da cidade e da vista de seus habitantes.

Vista de satélite da área em três tempos. A seta mostra os campos cerrados, e no interior da linha amarela, o que sobrou e deveria ser o museu-vivo, prometido pela USP.

Descoberta a existência dessa rara vegetação em profusão nas margens da grande escavação, a Reitoria da Universidade foi alertada. Cientes do fato, não houve outra saída a não ser paralisar as obras e divulgar que a área seria preservada, com a criação de um “Museu Vivo do Cerrado na capital” nos entornos da obra que conservavam a vegetação. A inauguração do monumento foi prometida para o dia sete de dezembro de 2011, fato que não se cumpriu.

A vegetação de cerrado que foi removida das obras para transplante não aguentou e a maioria perdeu-se, mas o entorno da obra continuou com as raríssimas plantas típicas dos antigos “Campos de Piratininga” e agora supostamente asseguradas pela criação do “Museu Vivo”. Nessa área, a vegetação típica de Cerrado encontra-se em alguns trechos misturada com uma planta invasora nativa, a samambaia-do-campo, que pode ser facilmente manejada para o retorno dos Campos Cerrados típicos.

Em 2012, o Jornal USP Destaques, um boletim de imprensa da Reitoria da USP, trouxe uma notícia animadora: declarava através da portaria n° 5.648 de 05 de junho de 2012 assinada pelo Reitor João Grandino Rodas, a preservação de duas áreas no Campus da capital, uma área de 10.000 m² (supostamente os campos cerrados em volta da obra como prometido) e outra, de mesmo tamanho com também campos-cerrados. No entanto, as obras prosseguiram e acabaram destruindo outras parcelas importantes de campos cerrados, incluindo uma (foto abaixo) com um excelente grau de conservação e que não encontrava semelhança a nenhuma outra área natural de campos-cerrados na malha urbana paulistana.

Crédito da imagem: Ricardo Cardim/Todos os direitos reservados

Espécies de plantas nativas totalmente ligadas a história da cidade e que sobreviveram a poucas dezenas de exemplares na metrópole, como o arbusto frutífero araçá-do-campo, que nomeou o antigo “Caminho do Araçá” e depois “Cemitério do Araçá” e a língua-de-tucano, uma bela planta que o Padre Anchieta utilizava para fazer alparcatas, e muitas outras, começaram a sofrer diretamente o impacto das obras, e foram arrancadas ou esmagadas. (Clique aqui para conhecer as plantas dessa vegetação, suas flores e frutos.)

À esquerda, desenho de 2011 do artista Daniel Caballero retratando o aspecto dos campos cerrados da USP, que já foi exposto no MASP. Ao lado, o mesmo local retratado hoje, 2014, com um enorme barracão e aterro sobre a vegetação em extinção. Crédito da imagem: Ricardo Cardim/Todos os direitos reservados

O cenário atual mostra que cerca de 40% da vegetação “relíquia” de campos cerrados que haviam sobrevivido foram totalmente arrasadas e receberam o plantio de mudas de árvores em desenho geométrico (aparente e absurda “compensação ambiental” em cima de uma vegetação raríssima). Outra extensa parte virou o refeitório e chuveiros dos funcionários da obra. Espécies nativas e material genético únicos na cidade de São Paulo foram perdidos e não se sabe que destino terão os outros 60% da área de campos cerrados que restaram.

Cenas da obra em 2014 – Ampla destruição (40%) do cerrado nativo por tratores e sua substituição por mudas de compensação ambiental e um enorme barracão sobre a área anteriormente mais preservada. Crédito da imagem: Ricardo Cardim/Todos os direitos reservados

Na década de 1940, o Professor Aylthon Brandão Joly publicou em seu doutorado na USP um estudo dos “Campos do Butantã” (de onde a vegetação dos atuais entornos da obra são remanescentes) com várias fotos das espécies que considerou na época mais importantes e significativas. Não é coincidência que são as mesmas e atualmente raras espécies hoje totalmente esquecidas e largadas no canteiro de obras.

À esquerda: Vegetação nativa com elementos de cerrado e a devastação para o plantio de árvores que não tem nada a ver com o bioma. À direita: Setas mostram os raros muricis-do-cerrado tentando rebrotar após devastação. Crédito da imagem: Ricardo Cardim/Todos os direitos reservados

É fundamental que a atual gestão da USP tenha a sensibilidade de imediatamente cercar toda a área proposta e cumprir a promessa pública feita em 2011 de transformá-la em um “Museu Vivo” da História, Botânica e Cultura da cidade de São Paulo e também recuperar os trechos arrasados para a “compensação ambiental” e construção do galpão.
Por Ricardo Cardim
Fonte: CicloVivo

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