No dia 10 de junho, o Instituto Peabiru completou 15 anos de fundação. Em entrevista publicada a seguir, o diretor João Meirelles Filho fala dos caminhos percorridos até hoje, desde os primeiros passos em São Paulo, o estabelecimento de sede em Belém, às transformações alcançadas hoje.
Ele responde ainda sobre a importância da abordagem participativa nos processos de desenvolvimento com as comunidades tradicionais. “Não podemos propor um caminho que nós mesmos não trilhamos. E este exercitar resulta em maior transparência, capacidade de compreender o outro”, reflete.
Meirelles analisa também o papel das organizações do terceiro setor na Amazônia e os desafios enfrentados. “Numa região de grandes dimensões temos pouquíssimas organizações atuando”, afirma.
Ao pensar no Instituto Peabiru há 15 anos e vê-lo hoje, é possível apontar quais foram as principais transformações alcançadas pela ONG?
João Meirelles – As transformações estão em beneficiários, funcionários e colaboradores. São milhares de beneficiários, especialmente de comunidades rurais excluídas da Amazônia, que melhor compreendem os seus direitos básicos, que ampliaram sua capacidade crítica, que conhecem novas técnicas e negociam com maior consciência e tem maior domínio sobre o manejo de seus recursos ou sobre a gestão de suas organizações. Cada pequeno avanço me emociona. Quando um agente ambiental de Curuçá entra na universidade, um grupo de pesquisadores socioambientais de Mojú se posiciona frente a um problema comunitário, ou, em Cotijuba, ilha de Belém, o centro de informática do Movimento das Mulheres das Ilhas de Belém amplia seu serviço.
Você fundou a instituição e a dirige nesses 15 anos. Seu sonho ganha a realidade no trabalho da ONG? Isto é, era isso que você queria construir?
João Meirelles – O que motivou a criação da organização – o ecoturismo, a educação ambiental e os esportes de natureza –, certamente mudou, e para melhor, muito melhor. Porque se trata, cada vez mais, de um sonho coletivo – atualmente de dezessete colaboradores, além de vinte associados e conselheiros –; que, sonhado junto, dura as vinte e quatro horas do dia. E um sonho que envolve do diretor ao voluntário.
A organização foi fundada por um grupo de pessoas na capital do estado de São Paulo, e entre os fundadores destacavam-se Ricardo Maluf, Flávio Lessa da Fonseca, Fernanda Martins, Rogério Ruschel, entre outros, e eu. Quando a instituição iniciou novo ciclo com sede em Belém, alguns colegas, como Ricardo e Flávio, prefeririam seguir em prol da Mata Atlântica e do Sudeste. Foi a partir de 2009, como o fortalecimento institucional, o planejamento estratégico, a mentoria de Maria Jose Barney Gonzalez, a profissionalização, o aprendizado de uma equipe que, cada vez mais, se consolida, com pessoas que estão, por exemplo, há mais de cinco anos juntos – Hermógenes Sá, Richardson Frazão, Francinaldo Júnior –, que a organização alcança maior impacto.
Qual a importância da abordagem participativa no desenvolvimento dos projetos do Instituto Peabiru e como a ONG construiu esta forma de atuar com as comunidades nesses anos de trabalho em campo?
João Meirelles – As metodologias participativas passaram a fazer sentido na medida que foram aplicadas internamente, na própria organização. Não podemos propor um caminho que nós mesmos não trilhamos. E este exercitar resulta em maior transparência, capacidade de compreender o outro, o grupo, o território, os desafios, e abre perspectivas ao diálogo, à construção coletiva. A todo momento estamos avaliando o que transformamos, onde acertamos, onde erramos, de que maneira poderemos aprimorar? Ao incorporar estes aprendizados e refletir com os diferentes grupos de interesse há um crescimento conjunto e autêntico. No Programa de Abelhas Nativas, por exemplo, há sempre estas perguntas – quantos quilos do mel se produz? Qual a renda que se alcança… Mas, o que se pretende é muito mais que isto. Ao mesmo tempo se trata de aumentar o diálogo entre gêneros e gerações, fortalecer a capacidade de negociar e se organizar, de compreender as mudanças climáticas (REDD+abelhas), de discutir sobre queimadas e desmatamento, conhecer o impacto da polinização, a importância da biodiversidade, o manejo de paisagens, a valorização da cultura. A vida é muito mais rica que alguns quilos de mel.
O Instituto Peabiru se apresenta como facilitador de processos de desenvolvimento local. Como se dá está facilitação?
João Meirelles – Exatamente, compreendemos o nosso papel como o de quem estimula, intervém para provocar a reflexão, o diálogo, o aprendizado, o fortalecimento das capacidades humanas e o fortalecimento do tecido social. Esta facilitação ocorre por meio de um programa de oficinas, cujas temáticas são definidas pelo grupo, e cujo programa é avaliado conjuntamente. Naturalmente que o fortalecimento da capacidade técnica, gerencial ou no que se define trabalhar é relevante, porém mais importante é tratar de direitos cidadãos, de direitos ancestrais, de valores, de negociação, de fortalecimento do grupo, de vez e voz, daí a nossa missão ter sido revista, de forma participativa, há quatro anos, como “Valorizar a diversidade cultural e ambiental e apoiar processos de transformação social na Amazônia”.
Em 15 anos de atuação, qual o papel desempenhado pelo Instituto Peabiru na grande frente de instituições do terceiro setor que trabalham na Amazônia?
João Meirelles – Em primeiro lugar, nos 29 anos que atuo no terceiro setor observo que este é muito pequeno e frágil diante dos desafios que a sociedade civil enfrenta. Na Amazônia esta situação é extremamente crítica, porque nunca houve tantos desafios concomitantes diante de um forte ciclo desenvolvimentista, em que muitas conquistas socioambientais estão indo por água abaixo. Numa região de grandes dimensões temos pouquíssimas organizações atuando. Sucede, assim, que a maior parte das ONGs tem capacidade bastante limitada de intervir e colaborar.
O Instituto Peabiru de hoje é fruto dos resultados alcançados em parceria com os grupos locais com que atua e as intervenções em seus territórios, especialmente no Nordeste Paraense, no Marajó e Amapá. Em verdade, atuamos em diferentes agendas, que vão da pesquisa científica em diversas áreas do conhecimento, à formação de capacidades locais, ao fortalecimento dos atores locais nas cadeias de valor prioritárias como o ecoturismo de base comunitária e a criação de abelhas nativas à pressão, por exemplo, para que se cumpra a lei no caso da invasão de terras públicas federais por arrozeiros no Marajó. Todos estes processos demonstrativos e em pequena escala, visam, mudanças em políticas públicas que satisfaçam os cidadãos da região, do Brasil e do planeta, por esta e as futuras gerações e não, como ocorre amiúde, favoreçam a concentração de renda e o aumento das desigualdades no acesso a direitos básicos.
Qual a Amazônia que o Instituto Peabiru gostaria de ver acontecer nos próximos 15 anos?
João Meirelles – De maneira geral, é que os próprios amazônidas assumam, de forma participativa, a gestão da Amazônia; usufruam e alcancem compartilhar os valores de sua sociobiodiversidade com o Brasil, os países amazônicos e o Planeta. E que as comunidades tradicionais sejam reconhecidas por seus direitos originais e ancestrais, sua beleza, cultura e efetiva contribuição à socioeconomia e conservação dos recursos naturais.
De maneira específica, é ver o Instituto Peabiru como um sonho coletivo, que capaz de engendrar a sua capacidade técnica, autonomia, produção do conhecimento e prestação de serviço público, com uma equipe feliz, estimulada, bem remunerada, estável e realizando um trabalho que provoque a reflexão e a pesquisa e de alto impacto em políticas privadas e públicas.
Fonte: Amazônia.org.br