Morre Margaret Thatcher, ícone de ferro do liberalismo

Margaret Thatcher durante um evento do Partido Conservador, em 2000 - Gerry Penny / EFE

Os soviéticos a apelidaram de “Dama de Ferro”. O ex-presidente americano Ronald Reagan a chamou de “o melhor homem da Inglaterra”. O socialista francês François Mitterand a definiu por seus “olhos de Calígula e lábios de Marilyn Monroe”. Na ficha de seleção para um emprego, ela foi rejeitada por ser “teimosa, obstinada e perigosamente dona de opiniões próprias”. Margaret Thatcher, primeira-ministra da Grã-Bretanha que mais tempo permaneceu no cargo no século passado, morreu nesta segunda-feira, aos 87 anos, deixando um papel bem definido na história: o de líder da revolução liberal que, na década de 1980, desmontou programas sociais deficitários, cortou impostos e gastos públicos, privatizou estatais perdulárias e tirou da paralisia a economia britânica para, depois, se espalhar pelo mundo. 

Primeira mulher a chefiar um governo parlamentar na história da Europa, Thatcher ficou onze anos e meio no poder, de 1979 a 1990, tempo mais do que suficiente para os princípios que defendia (menos governo, menos despesas e independência em relação à União Europeia) se fixarem profundamente no modo de vida britânico. Vinte anos depois do fim de seu governo, o “thatcherismo” continua tão atual na Grã-Bretanha quanto a monarquia, o peixe com batata frita e a cerveja quente dos pubs – mais do que uma convicção política, é uma instituição nacional.

Em três décadas de carreira política, ela lutou contra a intervenção do estado na economia e combateu a inflação. Eleita primeira-ministra em 1979, fez a taxa cair de um pico de 27% para 2,5% seis anos depois. Privatizou as indústrias estatais de petróleo e gás, aeroportos e companhias aéreas, telefone e energia elétrica, estimulando o crescimento econômico mesmo com o aumento do desemprego e criando um paradigma de competitividade até hoje seguido no planeta. Sua receita para recuperar a economia incluiu a crença de que sindicatos com muito poder político estrangulavam as empresas em nome de interesses eleitorais. Com isso em mente, Thatcher enfrentou líderes sindicais, retirou privilégios fiscais das organizações trabalhistas e enfrentou greves que duraram mais de um ano, até vencê-los.

Vencer, afinal, era sua especialidade. Na democracia mais antiga do planeta, ganhou três eleições consecutivas para a chefia do governo – algo até então inédito, repetido depois por Tony Blair. Seu primeiro triunfo nas urnas veio aos 33 anos, quando elegeu-se pela primeira vez para o Parlamento pelo Partido Conservador. Em 1970, quando o partido derrotou os trabalhistas e voltou ao poder com o premiê Edward Heath, foi nomeada ministra da Educação. Quatro anos depois tornou-se a primeira mulher a ganhar a liderança do partido, passo que a conduziu ao cargo de premiê após vencer as eleições gerais de 1979. A década seguinte trouxe seu primeiro desafio além das fronteiras da Grã-Bretanha: a invasão das Ilhas Malvinas pela Argentina do ditador Jorge Videla em 1982. Thatcher ouviu os chefes das Forças Armadas e não titubeou. No campo de batalha, os soldados britânicos arrasaram os argentinos e recuperaram a soberania sobre o arquipélago em dois meses e meio.

Nas relações exteriores, Thatcher cultivou uma estreita relação política e pessoal com o então presidente dos EUA, Ronald Reagan. A defesa do livre mercado era o princípio em comum e a luta contra comunismo selou a aliança. Curiosamente, foram os inimigos soviéticos que criaram a imagem de “mulher forte” que Thatcher incorporou. Ainda em 1976, três anos antes de ela se tornar primeira-ministra, o jornal Estrela Vermelha, publicado pelo Exército soviético, chamou-a de “Dama de Ferro” ao comentar um discurso de Thatcher sobre a Otan, a aliança militar do Atlântico Norte. Com ironia, ela acabou usando a seu favor o que era para ser uma afronta sexista: “Estou aqui diante de vocês com meu vestido de gala de seda vermelha, meu rosto levemente maquiado e meu cabelo gentilmente escovado, a Dama de Ferro do mundo ocidental. Uma guerreira da Guerra Fria”, disse em outro discurso. “Sou esse tipo de coisa? Sim, se é assim que querem interpretar minha defesa dos valores e liberdades fundamentais do nosso modo de vida”.

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Margaret Thatcher em 1980: aclamada em convenção do Partido Conservador
Margaret Thatcher em 1980: aclamada em convenção do Partido Conservador

Dona de casa – Transformar o que muitos podiam ver como ponto fraco em argumentos a seu favor foi algo que Thatcher dominou desde o início de sua vida pública. Numa época em que a maioria das mulheres eram destinadas apenas a casar, criar uma família e cuidar de uma casa, ela jamais se apresentou como feminista nem rejeitou a ideia de que as mulheres deviam ser donas de casa. Pelo contrário, em toda campanha eleitoral, fazia questão de aparecer fazendo compras no supermercado e gostava de ser fotografada fazendo tarefas domésticas. “Qualquer mulher que entende os problemas de administrar uma casa estará próxima de entender os problemas de administrar um país”, declarou. Para seu biógrafo, Charles Moore, nesse ponto nada podia ser mais equivocado do que a famosa frase de Ronald Reagan – “Ela é o melhor homem da Inglaterra” – porque Thatcher considerava o sexo feminino superior. Não à toa, uma de suas frases mais conhecidas é: “Em política, se você quiser que algo seja dito, peça a um homem. Se quiser algo feito, peça a uma mulher”. 

Esse traço de sua personalidade foi plantado por seu pai, Alfred Roberts, dono de duas mercearias na pequena cidade de Grantham, no leste da Inglaterra, onde Margaret Hilda Roberts – nome de batismo – nasceu em 13 de outubro de 1925. “Nunca deixe os outros dizerem o que você deve fazer”, era um dos conselhos paternos resgatados em suas memórias.

O pensamento independente está na raiz de suas escolhas profissionais: após terminar o colegial, Thatcher foi estudar na Universidade de Oxford aos 17 anos. Era a primeira da família a entrar para o ensino superior e se formou em química, algo então pouco usual para uma mulher – anos depois, estudaria direito e se tornaria advogada. Com o diploma de cientista, mudou-se para Colchester, a cerca de 80 quilômetros de Londres, e foi trabalhar em uma indústria de plásticos, época em que iniciou sua carreira política ao entrar para a Associação Conservadora da cidade. Após se aproximar de lideranças locais do Partido Conservador e conquistá-las com sua capacidade de debate, candidatou-se a uma vaga no Parlamento, mas foi derrotada em suas duas primeiras tentativas. Suas atividades políticas levaram-na a conhecer o rico empresário Denis Thatcher, de quem adotou o sobrenome após o casamento, em 1951. Dois anos depois da união, ela deu à luz um casal de gêmeos, Carol e Mark, seus únicos filhos. Por 52 anos, viveu com Denis, de quem ficou viúva em 2003.
 
Troca da guarda – O fim da era Thatcher está diretamente ligado à ascensão da União Europeia, que dividiu o Partido Conservador, e ao desgaste de sua imagem perante a opinião pública britânica após mais de uma década de governo. Ainda assim, ela não perdeu nenhuma eleição antes de deixar a liderança dos conservadores. Preferiu renunciar em 1990, após vencer a disputa pela chefia do partido por uma margem estreita, que obrigava a realização de um segundo turno. Antes mesmo de colocar à prova o favoritismo dos trabalhistas na eleição seguinte, seu discurso separatista da União Europeia a derrubou do governo e ela foi sucedida por John Major. Em seu discurso de renúncia, caiu atirando contra os trabalhistas: "Eles querem uma Europa de subsídios, uma Europa de restrições socialistas, uma Europa de protecionismo".

Por quase dois anos, a Dama de Ferro continuou na Câmara dos Comuns, até ser nomeada para a Câmara dos Lordes com o título de baronesa. Durante algum tempo, continuou criticando os adversários e dando discursos, palestras e entrevistas pelo mundo – numa delas,defendeu suas ideias nas páginas de VEJA. Até que uma série de pequenos derrames e falhas de memória a afastaram da vida pública em 2002, por recomendação médica. Seis anos depois, a filha Carol revelou que a mãe sofria de demência. A doença havia sido diagnosticada em 2000 e se agravou pouco a pouco.

Seu biógrafo Charles Moore relata um encontro revelador entre a líder aposentada e um menino de sete anos – filho de Moore. Sentado em um sofá diante de Thatcher, o garoto pergunta: “Você gostou de ser primeira-ministra?”. Sem se mostrar surpresa, ela responde: “Bem, tivemos a chance de tomar decisões importantes e melhorar a vida do país, então, sim, gostamos muito”. O entrevistador não se dá por satisfeito: “Você fez alguma lei boa?”. Thatcher resume o próprio legado: “Sim, fizemos! Fizemos a Grã-Bretanha mais forte na defesa, reduzimos o poder dos sindicatos e cortamos impostos, de modo que as pessoas pudessem ficar com mais do que ganham. E se as pessoas ficam com uma parcela maior do que ganham, elas ganham mais”. 
Fonte: Veja

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