Grandes artistas, novos censores.


Por  | Mexidão 

“Se você quer ser artista, sua vida se torna pública”, disse recentemente Nana Caymmi sobre a volta da polêmica da proibição de biografias não autorizadas

Os muito vivos Roberto Carlos, Djavan, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Erasmo Carlos, Chico Buarque e Milton Nascimento não concordam com Nana e querem sua parte em dinheiro. Eles defendem uma espécie de direito autoral de suas vidas (podem até falar mal deles, mas se pagarem bem tá tudo certo).


Parte desses medalhões são integrantes de uma organização recém-criada chamada Procure Saber(cuja porta voz e uma das fundadoras é Paula Lavigne, ex-mulher e empresária de Caetano), que está lutando pra manter os artigos 20 e 21 da Lei 10.406/2002. Estes artigos do Código Civil são aberrações legais que só poderiam acontecer no Brasil, a terra do “amiguismo”, porque, em termos práticos, eles só deixam espaço para biografias autorizadas pelos artistas ou por seus familiares.


Alguns podem achar que é uma questão financeira. Em uma das falas mais infelizes dos últimos tempos, Djavan soltou um zum de besouro e disse que “editores e biógrafos ganham fortunas enquanto aos biografados resta o ônus do sofrimento e da indignação”. Não sei em que mundo vive o ouro de mina, mas o jornalista Mário Magalhães fez a conta dos 9 anos que trabalhou em Marighella(que vendeu, coisa rara, 30 mil cópias) e chegou a conclusões sombrias em “Caixa preta de um biógrafo falido”. O título já diz tudo.

Benjamin Moser, autor de Clarice, escreveu uma carta aberta ao amigo Caetano e foi direto ao ponto: “Você já parou para pensar em quantas biografias o Brasil não tem? Para só falarmos da área literária, as biografias de Mário de Andrade, de João Guimarães Rosa, de Cecília Meirelles, cadê? Onde é que ficou Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre? Você nunca se perguntou por que nunca foram feitas? Eu queria fazer. Mas não vou. Porque o clima no Brasil, financeiro e jurídico, torna esses empreendimentos quase impossíveis. Quantos escritores brasileiros estão impedidos de escrever sobre a história do seu país, justamente por atitudes como as suas?”. Magalhães, um dos melhores e mais sérios jornalistas do país, também se abateu: “Desisto de biografias, enquanto perdurarem os ameaçadores garrotes da censura”.

E o que fez Caetano em sua mais recente coluna, sintomaticamente intitulada “Cordial”, no jornal O Globo? Falou, falou e não só não disse nada como ainda afirmou, metendo os pés pelas mãos, que algumas figuras merecem biografias não autorizadas (e cita nominalmente Roberto Marinho e José Sarney), enquanto outras não (artistas, subentende-se). E aquela história do é proibido proibir? Deixa pra lá.

Claro que não é dinheiro o assunto principal da celeuma. Livro não dá dinheiro no Brasil e quem diz isso não sou eu e sim Luis Fernando Veríssimo, um dos autores mais vendidos do país, que já afirmou mais de uma vez que não consegue sobreviver de literatura. A questão central desse embate é ocontrole da história. Em 2006, Roberto Carlos conseguiu tirar de circulação o livro Roberto Carlos em Detalhes porque “invadiu sua privacidade” (lembrando que um dos exemplos dessa invasão, a história do acidente que lhe tirou a perna, foi cantada pelo próprio nas músicas “Traumas” e “O divã”). Mas Roberto sempre foi muito controlador e autoritário, não é surpresa que ele seja um dos cabeças do movimento (e, veja bem, na época Caetano criticou abertamente a atitude de Roberto).

Surpreende mesmo que nele estejam Chico, Caetano e Gil, artistas que foram perseguidos e censurados na ditadura e que agora se tornaram censores raivosos da própria vida pública. Não adianta vir com papinho de “cada sujeito deve ter o direito de decidir sobre o que de sua vida tornará público” porque essa defesa da liberdade de expressão não é uma defesa do sensacionalismo. Boas biografias são trabalhos sérios, longos, e existem leis, várias leis, que defendem estes e outros biografados de calúnias, difamações e outros quiprocós. Alceu Valença definiu muito bem essa encruzilhada ética: “O que é pior: a mordaça genérica ou a suposta difamação?”.

Esses novos censores nunca deixarão de ser grandes artistas, mas é uma pena que tenham optado, justamente na melhor idade, pelo caminho da mesquinhez moral. E isso, quer eles queiram ou não, estará em suas biografias públicas.


p.s.: A polêmica está girando em torno da biografias, de livros, mas ninguém fala de TV e cinema, a não ser o colega Pedro Alexandre Sanches aqui mesmo no Yahoo.
Fonte: Yahoo

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