Incrustado no alto de um morro em Itacaré, entre coqueirais e espécies nativas da Mata Atlântica, o luxuoso Warapuru Resort foi tomado por uma fauna peculiar. Pela grandiosa recepção, voam passarinhos. Entre as paredes revestidas de mármore, do chão ao teto, com vista para a Praia da Engenhoca, vivem pequenos roedores, escondidos em um emaranhado de fios e materiais de construção. De frente para o mar, o maquinário enferrujado parece a postos - como se os operários tivessem saído apressados, mas com clara intenção de retornar.
Os 40 bangalôs, “escondidos” entre a mata nativa para garantir máxima privacidade aos hóspedes, estão lotados de teias de aranha e folhas mortas apodrecendo nos espelhos d’água. Perdidas no meio da floresta, essas grandes construções de ardósia, madeira e vidro, em diferentes estágios de finalização, são hoje cenário de beleza e desolação.
Planejado para ser o primeiro 6 estrelas do País, o Warapuru Resort está abandonado há cinco anos. Estima-se que mais de R$ 180 milhões foram gastos nas instalações: recepção, beach club, 40 bangalôs, além de 17 casas particulares e uma cinematográfica estrada sobre a copa das árvores. Todo esse patrimônio se deteriora, inacabado, enquanto aguarda o desfecho de uma intrincada trama envolvendo falta de dinheiro, problemas judiciais, falência da incorporadora e desentendimento entre credores.
O português João Vaz Guedes, cuja família fundou a construtora Somague, responsável por obras de infraestrutura em Portugal, idealizou o Warapuru. Descrito como “visionário” e “megalomaníaco”, Vaz Guedes encomendou o projeto ao escritório londrino de arquitetura e design Anouska Hempel - responsável por hotéis boutique em Londres e Amsterdã.
“Quando me pediu para assumir esse projeto, João me levou até o local e disse: Fique aí por um momento, Anouska, e me diga o que fazer”, contou Anouska Hempel em entrevista ao Estado, de Londres. De sua inspiração, nasceu uma “cidadela” de mármore no meio da floresta, “influenciada pelas culturas maia e egípcia”. “É um trabalho de grandeza minimalista em um lugar, muito, muito poderoso”, entusiasma-se.
No Brasil, o escritório de arquitetura Bernardes+Jacobsen, foi contratado em 2003 junto com o escritório da arquiteta Cassia Cavani, que cuidou do desenvolvimento. Segundo Cassia, tudo - da disposição dos bangalôs e casas às estradas - foi pensado para interferir o mínimo possível na vegetação local.
Ela lembra de ter tido divergências técnicas com o escritório londrino e discussões acaloradas com Vaz Guedes. Ainda assim, espera ver o hotel pronto. “Apesar dos problemas que tivemos, é um trabalho especial. Se alguém, algum dia precisar da minha colaboração serei a primeira a ajudar.”
Um dos pontos mais criticados por pessoas próximas a Vaz Guedes, que não quiseram se identificar, é justamente a contratação do escritório de Anouska Hempel. Ao ouvir “o canto da sereia”, de uma design celebridade sem conhecimento arquitetônico e pródiga em gastar dinheiro, o empresário português teria começado a selar o destino da empreitada.
Outro passo em falso teria sido a contratação do executivo de origem suíça Bernard Mercier como CEO. Mercier não deixou boas recordações em Itacaré. É lembrado como uma pessoa “arrogante”, “intratável” e “incompetente” - para ficar nos adjetivos mais leves.
A extravagância tropical, no entanto, foi um sucesso de público e crítica. Assim que o projeto foi lançado, em 2004, com abertura prevista para 2007, a revista do The New York Times descreveu o Warapuru como “o refúgio mais exclusivo do Brasil” e a prestigiada revista Wallpaper o chamou de “esconderijo ao estilo James Bond”.
Já as 17 vilas, de diferentes dimensões e a partir de US$ 1.2 milhão, foram todas vendidas logo após o lançamento. A maioria dos compradores, formada por empresários estrangeiros e ricaços oriundos do mercado financeiro, ainda não sabe quando poderá passar férias por lá.
Lançado com pompa e estardalhaço, o Warapuru Resort hoje amarga um duro anonimato e futuro incerto. Fora do sul da Bahia, pouco se ouve falar no empreendimento.
Crise acelerada
Os problemas do Warapuru Resort começaram quando um decreto estadual liberou a obra como sendo de “interesse público”. “Utilidade pública são casos muito específicos, ditados ora pela lei da Mata Atlântica, de 2006, ora pelo código florestal. Não como aconteceu nesse caso”, diz a promotora Aline Salvador, da Regional Ambiental de Ilhéus do Ministério Público da Bahia.Com o decreto em mãos, estranhamente calcado em artigos da Constituição que preveem desapropriação para reforma agrária, a obra deslanchou no início de 2004.
Mas, novamente, a busca por uma “facilidade” se mostraria um grande erro. Por estar em área de preservação ambiental, era necessário um Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima). A lei exige o EIA-Rima para empreendimentos com ou mais de 50 hectares. Os responsáveis julgaram escapar da exigência ao registrar o empreendimento com 49,9 hectares.
Segundo a promotora, os subterfúgios para evitar o estudo foram tão escandalosos que acabaram motivando a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual, que culminou com o embargo pelo Ibama, levantado, em março de 2007, pelo ministro Gilmar Mendes, do STF. O ministro acatou um pedido da Procuradoria-Geral da Bahia, sob o argumento de que a interrupção da obra causaria desemprego e reduziria em 35% toda a receita tributária do município.
Pouco depois, a obra foi retomada, mas com um grande ônus financeiro, até parar definitivamente em meados de 2008 por falta de dinheiro.
Tentativas de acordo
O investidor americano Mark Bakar, da Makai Ventures, não tem dúvida de que, se for concluído, o Warapuru estará entre os maiores projetos hoteleiros do mundo. “Não há nada comparado no Brasil, mas há grande risco de não conseguirmos ressuscitá-lo”, disse ao Estado, de San Francisco, Califórnia.
Bakar é especialista em recuperar projetos imobiliários em dificuldades. Ex-acionista da luxuosa rede Aman Resorts, grupo hoteleiro presente em 15 países, a primeira vez que ele ouviu falar do Warapuru foi em 2004, quando passava férias em Búzios.
Em 2007, João Vaz Guedes foi procurá-lo nos Estados Unidos em busca de investidores. Desde então, ao lado do empresário mineiro Gustavo Ribeiro, ele tenta encontrar saídas.
Há dois anos, com a falência, as tratativas ficaram ainda mais complexas. Em maio de 2011, a Caciel Indústria e Comércio, fornecedora de serviços de marcenaria, pediu a falência da incorporadora Harmattan, de Vaz Guedes, por uma dívida de R$ 1,09 milhão. A falência foi decretada.
Entre os credores, o Banco Fibra, de Ricardo Steinbruch, detêm 50% do crédito da massa falida. Os outros dois maiores credores são a Funchal Ltda. e o fundo de investimentos Itacaré Capital. Após mais de cinco anos de negociações, eles fizeram uma proposta de compra com a condicionante de iniciar os pagamentos assim que a renovação da licença ambiental fosse concedida. O Itacaré Capital não aceitou a proposta.
Segundo Ribeiro, um orçamento indicou que seriam necessários outros R$ 100 milhões para terminar o hotel. Ele, porém, acredita que o valor possa diminuir com uma readequação da planta a uma visão mais modesta. O empresário João Vaz Guedes foi procurado, mas não retornou o pedido de entrevista.
Fonte: Yahoo