Autor: Paulo Prada - Fonte: Reuters
Ivo lubrinna procura ouro na floresta há mais de 30 anos. É um negócio notoriamente sujo, já que os grupos extrativistas retiram solo da floresta e de margens de rios e usam mercúrio e outros poluentes para remover metais preciosos da lama.
Nos últimos dois anos, Lubrinna tem um segundo emprego: secretário de Meio Ambiente de Itaituba, cidade ribeirinha de 100 mil pessoas que é porta de entrada do mais antigo parque nacional e de mais de uma dúzia de reservas naturais da vasta Amazônia selvagem. Como tal, é seu trabalho proteger a área de depredações de madeireiros, caçadores, posseiros – e mineradores de ouro.
O papel duplo divide seus dias de trabalho: de manhã como fiscal, de tarde como minerador. “Tenho que ser bom no começo do dia”, diz o homem corpulento e careca de 64 anos em seu tom de barítono. “À tarde, eu cuido de mim mesmo.”
Até recentemente, o aparente conflito de interesses não interessaria muito nessa fronteira sem regras, de aplicação permissiva de leis e frequentes conflitos violentos entre interesses que competem por terra e recursos. Era trabalho do IBAMA, a agência ambiental federal, policiar a Amazônia da melhor maneira possível.
Mas no último ano, a presidente Dilma Rousseff autorizou uma mudança que passou muita da responsabilidade da fiscalização ambiental a funcionários locais. Dos 168 escritórios do IBAMA que operavam há alguns anos, 91 foram fechados, de acordo com empregados do órgão. Lubrinna afirma que os agentes costumavam multá-lo e a outros mineradores por violações. Agora, ele lidera uma equipe que inspeciona locais de mineração e está aplicando poucas multas.
A mudança para o controle local é uma das muitas alterações implementadas sob a administração de Dilma que, juntas, constituem um recuo total em relação às quase duas décadas de política federal ambiental progressiva.
Nos 19 meses desde que Dilma assumiu o cargo, regulamentações antigas que reduziam o desmatamento e protegiam milhões de quilômetros quadrados de bacias hidrográficas foram revogadas. Ela emitiu uma ordem para reduzir ou ‘reutilizar’ sete florestas protegidas, abrindo caminho para usinas hidrelétricas e outros projetos de infraestrutura e para legalizar assentamentos de agricultores e mineradores.
E ela desacelerou, até quase parar, um processo ininterrupto durante as três administrações anteriores de preservar terras para parques nacionais, reservas de vida selvagem e outras ‘unidades de conservação’.
Necessidade econômica
A presidente é clara em seu raciocínio: desencadear mais desenvolvimento na floresta amazônica, uma área sete vezes o tamanho da França, é essencial para manter o crescimento econômico que na última década retirou 30 milhões de brasileiros da pobreza e tornou o Brasil a sexta maior economia do mundo.
O governo pretende construir 21 barragens na Amazônia até 2021 a um custo de 96 bilhões de reais, como planejado sob o comando de Dilma quando ela ainda estava trabalhando para seu mentor e predecessor, o presidente Luiz Inácio Lula da silva. As barragens são necessárias, diz ela, para atingir as demandas de energia da crescente classe consumidora do Brasil.
E o Brasil ainda tem 60 milhões de pessoas vivendo na pobreza. “Tenho que explicar às pessoas como elas vão comer, como elas terão acesso à água, como elas terão acesso à energia”, afirmou ela em um discurso em abril.
Essa mensagem ressoa em muitos brasileiros. Dilma tem uma invejável taxa de aprovação de 77%, segundo uma pesquisa de junho.
Ela também recebeu 83% das contribuições para sua campanha para a eleição de 2010 de corporações, a maioria empresas de alimentos, agricultura, construção e engenharia que se beneficiariam da abertura da Amazônia para um desenvolvimento mais amplo, de acordo com uma revisão dos registros eleitorais por José Roberto de Toledo, blogueiro e analista de dados.
Os assessores de Dilma descartam qualquer sugestão de um quid pro quo (troca de favores); outros candidatos receberam fundos das mesmas companhias em proporções similares.
O movimento ambientalista do Brasil está horrorizado. As políticas de Dilma, afirmam eles, põem em risco a maior floresta tropical do mundo, o depósito de 12,5% da água doce do planeta, uma fonte primária de oxigênio e lar de incontáveis espécies de plantas e animais raros e desconhecidos, assim como de dezenas de milhares de índios. O ganho econômico em curto prazo, declaram os críticos de Dilma, não vale o potencial custo de longo prazo ao meio ambiente global, assim como à economia do Brasil.
“Esse é um governo disposto a sacrificar recursos de milhares de anos em troca de umas poucas décadas de lucro”, diz Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e uma pioneira do movimento verde no Brasil.
A corrida para explorar a região já gerou focos de conflito.
O mais conhecido é Belo Monte, um projeto de 26 bilhões de reais para construir a terceira maior barragem do mundo no rio Xingu, afluente do Amazonas no Pará, o estado onde Itaituba fica localizada.
Assunto de intensa cobertura da mídia, processos judiciais e oposições de famosos como o diretor de Hollywood James Cameron, Belo Monte deslocará milhares de índios. O projeto já está atraindo milhares de migrantes para a região florestal de Altamira, transformando-a em uma cidade onde os preços de alimentos e imóveis mais do que dobraram no último ano.
No Acre, a retirada dos agentes do IBAMA abriu portas para invasões e lutas entre madeireiros e traficantes de drogas do Peru, ameaçando a Serra do Divisor, parque criado há uma década.
E no estado do Maranhão, fazendeiros, madeireiros e nativos brigam frequentemente em torno da reserva Gurupi. Lá, a exploração ilegal de madeira afetou cerca de 70% da floresta da reserva, um processo que os cientistas afirmam que está acelerando a expansão de um clima mais árido no extremo nordeste do Brasil.
As dinâmicas colocadas em prática pela mudança política de Dilma estão em plena ação no Parque Nacional da Amazônia, uma região de floresta do tamanho da Jamaica na margem oeste do rio Tapajós.
Este foi o primeiro parque nacional na região amazônica, estabelecido em 1974 pela ditadura militar para mitigar o impacto das políticas que haviam encorajado migrantes pobres a se estabelecerem na área.
No final dos anos 1980 e na década seguinte, o parque se beneficiou, já que o jovem governo democrático abraçou uma política ambiental considerada uma das mais agressivas no período, executada por agentes federais. Na última década, o presidente Lula intensificou o policiamento dos parques, reduzindo o desmatamento para as menores taxas já registradas.
Mas a explosão econômica que Lula presidiu cobrou seu preço. À medida que o Brasil se tornou o maior exportador do mundo de carne bovina e soja, a floresta sucumbiu ao corte de madeira para a agricultura. Nas colinas perto de Itaituba, a exploração de madeira e a mineração continuaram – algumas ilegais, outras não.
Para impor ordem, o governo em 2006 criou uma zona de segurança de seis reservas em terras próximas – uma área mais de seis vezes o tamanho do próprio Parque Amazônia – onde a atividade poderia ser regulada.
Águas agitadas
Quando Maria Lucia Carvalho assumiu seu novo emprego como gerente do Parque Amazônia há três anos, ela estava ansiosa para atrair mais visitantes e reprimir os abusos. Com os agentes do IBAMA por perto para ajudar os funcionários do parque a lidar com invasores persistentes e com a caça furtiva, “eu estava mesmo esperançosa”, declara ela.
O sentimento não durou muito. No começo de 2010, ela ouviu rumores de que uma das barragens de Dilma deveria ser construída dentro do parque, nas corredeiras do Tapajós. Em um ponto em que o rio tem três quilômetros de largura, as corredeiras são reconhecidas como um habitat de muitas espécies de peixes, um ponto de trânsito chave para bagres migratórios e uma fonte de água para a vida selvagem, incluindo o jaguar e a ararajuba ou periquito dourado.
Poucos meses depois, agentes do parque encontraram trabalhadores da companhia elétrica do estado conduzindo trabalhos não autorizados de pesquisa na área e multou-os.
Depois que Maria Lucia falou na TV contra o projeto, ela foi chamada a Brasília pelo diretor do serviço nacional de parques. “Disseram que esse é um plano do governo, e que eu sou do governo, e que portanto eu não poderia criticar o projeto”, diz ela.
O serviço de parques não quis comentar o encontro.
Em dezembro do último ano, Dilma assinou uma lei que dá ao estado e aos governos locais autoridade máxima sobre terras não federais. Na visão de Brasília, os governos locais estão melhor posicionados para garantir que madeireiros, mineradores e outros que exploram os recursos florestais o façam com licenças apropriadas em áreas permitidas.
Outros, no entanto, afirmam que as autoridades locais não têm os recursos necessários para policiar a Amazônia e são mais suscetíveis a intimidação e suborno.
Em poucos meses, os agentes florestais do IBAMA de Itaituba foram embora, deixando Maria Lucia e seus colegas do parque por contra própria para policiar a área – mas com Lubrinna, o secretário do Meio Ambiente de Itaituba que também é minerador de outro, e sua pequena equipe.
Lubrinna gasta tanto tempo supervisionando suas equipes de mineração quanto devota para seu cargo municipal, afirma ele. Ele recusou vários pedidos de um repórter da Reuters para mostrar sua própria operação de mineração. Ele a descreve como uma operação espalhada por 180 quilômetros quadrados a sudoeste de Itaituba – a maioria em floresta nacional.
Permissões de mineração na região são difíceis de conseguir, declara ele, e suas permissões não cobrem toda a área em que ele opera. “O governo cria leis que são difíceis de seguir”, diz ele. “Pessoas como eu precisam ganhar a vida.”
Árvores derrubadas
Dilma recentemente elogiou números que mostram que a taxa de desmatamento na Amazônia caiu para um recorde de baixa nos 12 meses encerrados em julho de 2011, o período anual mais recente do qual há dados disponíveis. O total de florestas derrubadas – cerca de 6,4 mil quilômetros quadrados – caiu 77% desde 2004, uma tendência que dados preliminares sugerem que continuou nos últimos meses.
Críticos dizem que ainda é cedo demais para ver o impacto do programa da presidente. “Os números vão para outra direção”, afirma Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental, grupo ativista. “Em primeiro lugar, eles estão mudando a arquitetura das regulamentações que levam à redução.”
A base dessa arquitetura é o ‘código florestal’ do Brasil, um conjunto de leis inalteradas por décadas que estabelece a porcentagem e o tipo de vegetação que agricultores, companhias madeireiras e outros devem deixar intacta durante o corte.
O poderoso lobby agrícola do Brasil estimulou com êxito as mudanças que no começo deste ano foram aprovadas no congresso. Embora Dilma tenha vetado partes do projeto que teriam concedido anistia por abusos passados, ela está negociando com legisladores mudanças que os ambientalistas temem que poderiam tornar mais fácil a extração de madeira em áreas que até agora estavam fora dos limites.
Quando um guarda do parque recentemente visitou José Lopes da Silva, posseiro na margem leste do Parque Amazônia, o agricultor reclamou sobre uma multa de 15 mil reais que ele recebeu no último ano por cortar árvores adjacentes a seu campo de milho. “Por que eu fui multado”, perguntou ele “se eles estão prestes a mudar a lei?”
“A lei ainda é a lei”, respondeu o guarda.
Perto de Campo Verde, um caminhão para a 30 quilômetros a sudeste de Itaituba, jipes e picapes se deslocam na rodovia durante o dia. Depois que a noite cai, grandes caminhões emergem de locais de extração e vão para áreas protegidas. Carregados com troncos de árvores maiores em diâmetro do que suas rodas, os caminhões vão para o oeste em direção às serrarias de Tapajós.
Com poucos agentes federais restantes em campo para patrulhar as reservas, a destruição se torna aparente apenas quando a área é grande o suficiente para ser vista, quando o clima permite ou quando satélites e ou equipamentos raros e caros de vigilância aérea detectam. Já que o governo estadual concede as licenças para as serrarias, as autoridades federais as inspecionam agora menos frequentemente.
“Qual é a razão disso se não somos mais a autoridade principal?”, declara um agente federal que pediu para não ser identificado.
O trabalho está cada vez mais perigoso à medida que latifundiários, madeireiros e seus capangas entram em confronto pelos recursos florestais. Em março, homens armados emboscaram agentes do parque que retornavam de um flagrante a um campo de extração ilegal em uma reserva natural no sul de Itaituba. Os agentes conseguiram repelir o ataque.
No último ano, assassinos mataram um proeminente ativista ambiental no Pará e sua mulher depois que o casal denunciou a extração ilegal de madeira perto de sua casa.
João Carlos Portes, um padre católico de Campo Verde, disse que homens armados recentemente ameaçaram “pulverizar a congregação com balas” depois que ele se negou a permitir uma missa fúnebre para um madeireiro e assassino confesso morto por madeireiros rivais.
Portes, que também é representante local da Comissão Pastoral da Terra, um grupo religioso focado em reduzir a violência, o trabalho escravo e outros abusos no Brasil rural, afirma que mudanças recentes na política ambiental significam que “as coisas aqui apenas vão ficar piores”.
Luta inútil
Em janeiro, Dilma anunciou que dividiria partes do território do Parque Amazônia e seis outras reservas para dar lugar a barragens e legitimar assentamentos ilegais. Mesmo que a medida ainda enfrente muitos processos judiciais, o congresso assinou a lei em junho.
A usina hidrelétrica no rio Tapajós inundará uma grande área de floresta, assim como Pimental, uma vila de cerca de 800 pescadores e pequenos agricultores na margem leste do rio no local da barragem.
Os moradores estão irritados com o governo, que ainda tem que fornecer detalhes sobre a barragem, como, por exemplo, se as pessoas serão deslocadas ou compensadas, ou como o processo pode se desenrolar. “Estamos completamente no escuro”, declara Luiz Matos de Lima, um agricultor de 53 anos e dono de mercearia em Pimental.
Alguns moradores recentemente escorraçaram empreiteiros da companhia elétrica para fora da cidade e destruíram as concreteiras que os trabalhadores haviam colocado na área.
O ministro de Energia disse que detalhes finais do projeto, planejado para 2017, ainda estão em estudo.
Foi a autorização de Dilma da barragem que minou o que restava do entusiasmo de Maria Lucia com seu trabalho como gerente do Parque Amazônia. Recentemente, ela pediu transferência, em busca de um posto em um parque do Nordeste.
“Eles não podem construir uma barragem aqui”, afirma ela, “mas quem sabe – talvez eles construam uma usina nuclear.”
Enquanto isso, no último mês, agentes do IBAMA no aeroporto de Belém detiveram um homem com um cooler de isopor contendo carcaças congeladas de uma tartaruga amazônica ameaçada. Os agentes apreenderam a carcaça, multaram o homem em cinco mil reais e lançaram acusações criminais contra ele.
O viajante das tartarugas: Ivo Lubrinna.
O secretário do meio ambiente de Itaituba declarou aos agentes que a carne de tartaruga seria servida em uma festa para seu filho. Lubrinna disse que ele contestará a multa e as acusações no tribunal.
Ele observou também que embora a tartaruga esteja ameaçada, comê-la, na região amazônica, é “culturalmente aceitável”.
Traduzido por Jéssica Lipinski Leia o original (inglês)
Fonte: Instituto Carbono Brasil