Qual é o impacto de
substituir uma vegetação nativa pela produção agrícola? A pergunta, geralmente
respondida com uma lista de conhecidos benefícios que as florestas prestam para
a sociedade e para a própria agricultura, acaba de ganhar uma explicação mais
concreta: um valor.
Não preservar o ambiente pode causar prejuízos reais ao
produtor. É o que mostra o projeto Teeb (Economia dos Ecossistemas e
Biodiversidade) para o Setor de Negócios Brasileiro, que estabeleceu uma
valoração para os serviços ambientais - ou para o "capital natural",
como eles chamam - em dois estudos de caso: um com a Monsanto e outro com a
Natura.
O trabalho, coordenado pela ONG Conservação Internacional
(CI-Brasil) e baseado no modelo do Teeb global, considerou diferentes práticas
agrícolas na produção de soja e de óleo de palma (dendê) em estudos pilotos nas
plantações das duas empresas.
Ao considerar nos cálculos o
valor da biodiversidade e dos serviços que ela presta, como proteger o solo da
erosão ou garantir a oferta de água, o valor da produção nos cenários em que
houve adequação ao ambiente foi maior do que na situação tradicional de cultivo
- o chamado "business as usual".
No caso da Natura, os
pesquisadores compararam os dados de um hectare de monocultura de palmeira de
dendê, de onde se extrai o óleo de palma, com os de um hectare de um sistema
agroflorestal, que combina árvores nativas, como cacau e maracujá, com os
dendezeiros. Ambos localizados no Pará.
No cenário agroflorestal, o
valor ambiental total da produção - calculado pela diferença entre os ganhos
prestados pelos serviços florestais e os impactos ao ambiente e à sociedade
provocados pela cultura plantada - foi 200% maior que na versão "business
as usual".
No estudo da Monsanto,
realizado no oeste da Bahia, comparou-se um hectare de terra coberto só com a
monocultura de soja com um outro em que a cultura convive com o Cerrado - bioma
hoje mais ameaçado do Brasil e também por onde a soja mais se expande. Neste
segundo cenário, baseado na proporção definida pelo Código Florestal - 80% de área
cultivada e 20% de Reserva Legal -, o valor ambiental foi 11% maior que no
cenário só com a monocultura.
Visibilidade. "A vantagem desse
trabalho é trazer à tona um valor que até então era invisível, mas que é
fundamental nas análises de risco da empresa. Está cada vez maior a expectativa
de que se comece a cobrar pela poluição gerada por uma produção. Isso
eventualmente pode ser colocado nos cálculos da compensação ambiental",
afirma a bióloga Helena Pavese, coordenadora do projeto na CI.
"Mas não é só uma questão
de impactos. As empresas utilizam o capital natural como base para seus
negócios. Mudanças na oferta e qualidade deste capital afetam seu desempenho.
Com esta abordagem de valoração, pudemos mostrar em cifras, e não tanto
quantitativamente, como a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos são
importantes para a empresa."
Uma das expectativas do
trabalho é que os resultados possam eventualmente ser incorporados nos
processos decisórios das empresas. É o que planeja a gerente de
responsabilidade social, corporativa e de sustentabilidade da Monsanto, Daniela
Mariouzzo, que coordenou o trabalho na empresa.
"Não é de hoje que se
discute como produzir mais alimentos, preservar a natureza e que isso seja
viável economicamente no longo prazo. Como beneficiar todos os envolvidos
nisso? A resposta passa por trazer algo concreto para a mesa. Acho que esse
estudo é um começo para o debate. Mas ainda não é algo completamente
consolidado", diz.
"Os números traduzem o
que já se conhece na prática: produzir soja sem o Cerrado afeta o clima, a
polinização, a conservação da água. E trazem mais argumentos para debater com
todos os atores." Ela afirma que o próximo passo é trabalhar mais o estudo
dentro da empresa, principalmente com outros setores, como o de avaliação de
riscos, e com os produtores rurais.
Mais a longo prazo, a ideia é
usar esse tipo de informação para desenvolver um mecanismo que remunere os
produtores que preservem o Cerrado. Por lei, eles já são obrigados a isso, e
quem não cumpre tem de se regularizar. "Mas podemos pensar numa forma de
pagar quem quiser proteger além do que manda a legislação", defende.
Cadeia. Na Natura, o estudo se
inseriu em um processo mais amplo - iniciado em 2010 e já incorporado na
decisão dos negócios -, que prevê avaliar toda a cadeia de suprimentos, da
extração da matéria-prima à entrega do produto ao consumidor. Em relação ao
óleo de palma, matéria-prima para a produção de sabonetes, a empresa vinha
buscando a alternativa do sistema agroflorestal há cinco anos em parceria com a
Embrapa.
"Já sabíamos que havia
uma viabilidade técnica, em escala pequena, mas não sabíamos o valor disso. Só
do ponto de vista econômico, a monocultura parece mais eficiente, uma vez que
tem produtividade alta por causa da mecanização. Mas o estudo mostrou outros
valores ambientais e sociais que o modelo tradicional não olha", diz
Luciana Vila Nova, gerente de sustentabilidade da Natura. No futuro, diz ela, a
ideia é conseguir mostrar o valor ambiental de cada produto da empresa.
ENTENDA COMO FOI FEITO O CÁLCULO
Para fazer o cálculo do valor
ambiental da produção de soja e de óleo de palma, os pesquisadores compilaram
uma série de estudos já disponíveis na literatura científica que,
individualmente, já haviam aplicado um valor monetário às quantidades físicas
de capital natural.
O número estimado para um
hectare de cada cenário foi obtido com a soma dos serviços ecossistêmicos
subtraídos da soma dos impactos. Contam como serviços a capacidade de
provimento (de alimento, água doce, madeira, combustível, fibras e outros
recursos) e de regulação (do clima, da água e o controle da erosão) daquele
ambiente. Como impactos agrícolas diretos são considerados poluição do ar e da
água e emissões de gases de efeito estufa.
Também foram levados em conta
valores de mercado, quando eles já existem, como é o caso da madeira e de
créditos de carbono. Por exemplo: o preço do carbono, segundo o relatório Stern
do governo britânico, taxado em R$ 233 por tonelada de dióxido de carbono (CO2)
equivalente, foi usado para valorar as emissões de gases de efeito estufa.
No estudo da Natura, o valor
ambiental total obtido com os sistemas agroflorestais com óleo de palma é três
vezes maior do que aquele obtido com a monocultura do óleo de palma – R$
410.853 por hectare, contra R$ 122.253 por hectare, durante a vida útil de 25
anos da plantação. Esse resultado foi obtido principalmente porque os impactos
da monocultura são quatro vezes o impacto dos sistemas agroflorestais.
Na Monsanto, o valor da
produção de soja aliada à conservação do Cerrado é 11% maior que a monocultura
de soja – respectivamente R$ 1.139 por hectare ao ano, contra R$ 1.031.
O modelo adotado no estudo foi
baseado no Teeb global, lançado em 2010 pelo economista indiano Pavan Sukhdev
em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Ambiente. O estudo estimou
que o custo anual da perda da biodiversidade fica entre US$ 2 trilhões e US$
4,5 trilhões.