Apesar de o Instituto CarbonoBrasil não trabalhar com o comércio
de créditos de carbono, costumamos receber semanalmente dezenas de e-mails e
telefonemas com perguntas sobre como funciona esse tipo de transação.
Assim, para sanar algumas dessas dúvidas, resolvemos conversar com
quem realmente trabalha com os mercados de carbono e entrevistamos Henrique
Pereira, diretor de Novos Negócios da WayCarbon, uma das principais empresas do
setor no Brasil.
Pereira é bacharel em Relações Internacionais pela PUC Minas,
pós-graduado em Tecnologia Ambiental pela UFMG e mestre em Meio Ambiente e
Desenvolvimento pela London School of Economics and Political Science (LSE). Na
WayCarbon, ele é responsável pela execução da estratégia corporativa em novos
mercados e produtos, tecnologias de baixa emissão e financiamento sustentável.
A seguir, Pereira fala sobre mercado voluntário de carbono,
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), preços do carbono no Brasil, projetos
florestais e as atividades recentes da WayCarbon.
Instituto CarbonoBrasil - Apesar de não possuir mercados
compulsórios de carbono, o Brasil conta com um bom número de desenvolvedores de
projetos, como a WayCarbon, que negociam créditos de carbono no mercado voluntário
ou pelo MDL. Você poderia descrever como está o mercado voluntário no Brasil?
Tem crescido nos últimos anos? Como a crise do MDL tem afetado os
projetos nacionais?
Henrique Pereira - Estamos
observando uma tendência crescente de ações de responsabilidade climática no
setor privado brasileiro. Assim, o mercado voluntário vem ganhando força
principalmente para atender as atividades de compensação de emissão em maior
escala.
A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas
(UNFCCC), se antecipando à redução da demanda de créditos MDL, alterou seu
registro permitindo também que Reduções Certificadas de Emissão (RCEs) sejam
canceladas voluntariamente. É inegável que os projetos MDL sofreram impacto
devido à queda de preços, mas espera-se que a decisão da UNFCCC possa reduzir
este impacto. (saiba mais sobre a crise no mecanismo)
ICBr –É bastante complicado conhecer o valor dos créditos
negociados no mercado voluntário, já que muitas vezes não são divulgadas as
informações das transações. Você poderia nos dar uma ideia do preço médio desse
tipo de crédito e de como ele é calculado?
HP - Anualmente a
Ecosystem Marketplace produz um relatório (State of the Voluntary Carbon Markets) que
avalia o mercado voluntário, buscamos também estas referências externas para
balizar preços no Brasil. O valor dos créditos no mercado voluntário pode
variar bastante. Existe um custo inerente de gestão, monitoramento, auditorias
e transações no registro que são a base para a composição de preços. Por outro
lado, e diferentemente do MDL, os compradores no mercado voluntários buscam
outros atributos ambientais nos projetos de redução. Portanto, um projeto
florestal de monocultura terá sempre um valor menor de mercado do que um
projeto que agrega diversidade biológica ou que possua contribuições de longo
prazo. De maneira semelhante, projetos com forte componente de inovação
tecnológica ou que contribuam diretamente para uma comunidade local também são
mais valorizados.
No Brasil, vemos o preço da tonelada ser comercializada com tetos
de R$ 45,00 para projetos de reflorestamento de floresta nativa, passando por
valores próximos de R$ 25,00 para projetos REDD na Amazônia ou projetos com
componentes de grande inovação tecnológica. Já os pisos de preço podem ser tão
baixos quanto R$ 4,00 reais. A variação é bastante grande e diz respeito tanto
a demanda de mercado quanto ao tipo de projeto.
ICBr - Recebemos com frequência perguntas sobre a questão dos
créditos de carbono florestal. A pessoa possui uma área de mata nativa e quer
saber se pode gerar créditos de carbono protegendo-a. Quais são as condições
para que um projeto desse tipo seja viável? Que área deve ter a propriedade? É
lucrativo?
HP - O
instrumento para geração de créditos pela preservação florestal é o REDD. Neste
mecanismo a área preservada deve estar sob pressão de desmatamento ou
degradação. Portanto, não basta ter uma floresta. O risco de desmatamento deve
ser real e demonstrável.
Os custos destes projetos são altos, portanto as áreas devem ser
extensas. Trabalho com estes projetos no oeste da África em áreas de milhares
de hectares. Os projetos validados no Brasil também são de grande extensão
territorial.
Em outras palavras, da maneira como REDD está funcionando hoje o
mecanismo não é uma realidade para o pequeno ou médio produtor rural. Por outro
lado, os créditos de compensação florestal podem se tornar um incentivo
financeiro interessante para quem tem matas preservadas. Assim, vale manter o
olho aberto para os desdobramentos deste mecanismo no curto prazo.
ICBr - A WayCarbon acaba de vencer concorrências no CNPq e na
FAPEMIG para desenvolver projetos relacionados à ações de mitigação e adaptação
às mudanças climáticas. Poderia nos dar mais detalhes sobre eles?
HP - Desde que
nos transferimos para o Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BHTec), em 2010,
a WayCarbon vem passando por profundas transformações. Nossa área de P&D
foi estruturada e possui, hoje, equipe exclusiva. Investimos na qualificação da
equipe buscando profissionais capazes de sustentar atividades de pesquisa e
inovação relacionada a mudanças climáticas.
Lançamos em 2012 um software de gestão de emissões de GEE, o
Climas (Climate Management System). Nosso objetivo é ser o principal sistema
nacional na quantificação e gestão de emissões. O sistema permite, por exemplo,
a definição e acompanhamento de metas com controle por meio de planos de ação
direcionados o que garante que compromissos públicos de redução de emissão
sejam de fato cumpridos evitando surpresas.
Se por um lado os investimentos nas ações de mitigação tem se
provado um sucesso o ano de 2014 está sendo marcado por uma excelente resposta
de mercado para nossos desenvolvimentos na seara da adaptação.
Desenvolvemos um modelo preditivo para avaliação de
vulnerabilidade climática. O Model for Vulnerability Evaluation (MoVE) permite
identificar vulnerabilidades e construir cenários de maneira dinâmica.
Neste contexto a empresa venceu uma concorrência no RHAE do CNPq
permitindo a contratação de dois especialistas para desenvolver o modelo de
risco hidrológico do MoVE. Também levamos um TECNOVA da FAPEMIG para tornar o
modelo mais amigável ao usuário final e melhorar os componentes internos do
modelo. O MoVE já foi aplicado no Brasil na avaliação da vulnerabilidade
climática do Município de Goiânia.
ICBr - Qual a importância deste tipo de projeto para o panorama
nacional de desenvolvimento em uma economia de baixo carbono?
HP - O MoVE tem
chamado atenção do poder público, pois é uma ferramenta poderosa para suporte a
tomada de decisão e priorização de políticas e investimentos. Temos trabalhado
com tais ferramentas para o Ministério da Fazenda nas modelagens de cenários de
regulação de carbono no Brasil, na avaliação de políticas florestais no Estado
de Goiás e esperamos poder contribuir também para o plano de adaptação em
discussão.
A materialização de uma economia de baixo carbono passa,
indiscutivelmente, por análises mais robustas que permitam os setores público e
privado a planejar investimentos e desenhar estratégias.
ICBr– Dada essa importância, como está a demanda por projetos de
mitigação e adaptação às mudanças climáticas aqui no Brasil? Empresas e governos
estão buscando esse tipo de iniciativa?
HP - A resposta do mercado
tem sido muito positiva. Principalmente no âmbito da adaptação temos notado que
as oportunidades de aplicação do MoVE são bem amplas. Setores como o
agronegócio, o saneamento e o logístico já sentem os impactos das mudanças
climáticas e estão trabalhando com a WayCarbon para desenvolvimento de estudos
aplicados.
Por outro lado, o poder público (principalmente municipal) entende
que a ferramenta pode auxiliar no planejamento urbano e antecipar ações de
adaptação para aumentar a resiliência da população mais vulnerável.
No âmbito da mitigação, os setores da economia estão atentos aos
Planos Setoriais, pois reconhecem que o cenário regulatório deve mudar
rapidamente nos próximos anos. Assim, o Climas fornece uma plataforma poderosa
para o controle de emissões e a redução (ou gestão) deste risco regulatório
eminente, além de reduzir custos de auditoria e gestão de metas.
Fonte: Instituto Carbono Brasil