Conheça
a arquitetura open-source, movimento que se articula mundialmente para
democratizar o acesso a bons projetos
Foi preciso que
Joana Pacheco, nascida em Lisboa, trabalhasse por sete anos em escritórios
tradicionais de Portugal e também dos Estados Unidos para se fazer a pergunta
um tanto incômoda: como a arquitetura pode ser mais democrática e
economicamente viável? “Eu me dei conta das barreiras financeiras de acesso ao
design. A oferta com qualidade é pobre. As pessoas não gostam dos tipos de
projeto que podem comprar, mas não têm escolha”, a irma Joana, arquiteta que
resolveu, então, criar uma empresa para suprir esse nicho, o site Paperhouses,
com sede em Nova York. Sua percepção despertou com a crise de 2008, catalisada
pela bolha imobiliária americana.
“A
depressão consolidou meu ponto de vista: as condições da habitação para a
classe média não estavam adequadas aos meios atuais.” Mas nem é preciso ir
muito longe. Basta olhar ao redor para entender aonde Joana quer chegar.
Independentemente do nível dos projetos, o valor das moradias não para de subir
nas maiores cidades brasileiras. Entidade ligada à Universidade de São Paulo
(USP), a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) elabora um índice
mensal, o FipeZap, que acompanha o preço médio do m2 de apartamentos prontos de
16 municípios. Esse indicador cresceu 12,9% se compararmos março deste ano ao
mesmo mês de 2013. Segundo a pesquisa, em São Paulo, o m2 chega a R$ 13 863, no
bairro da Vila Nova Conceição. No Rio de Janeiro, atinge R$ 22 116, no Leblon.
É nesse quadro que começamos a ouvi r a expressão “arquitetura open-source”.
“Emprestado do universo digital, o termo está relacionado ao conhecimento
aberto, ao creative commons, de licenças livres”, explica Ana Isabel de Sá,
arquiteta e pesquisadora de espaço urbano e cultura digital
Na
prática, a principal ideia por trás do conceito é a democratização. “Todo mundo
deveria ter direito aos benefícios do bom design. O open-source permite
oferecer os recursos para muitos”, afirma Michael Steiner, arquiteto do Architecture
for Humanity, organização de ação global. Focada em soluções para áreas
carentes, a entidade conta com a rede Open Architecture Network, em que
profissionais e empreendedores compartilham, comunicam e administram métodos
construtivos.
Não
é de se estranhar, portanto, que os primeiros sinais do movimento tenham
aparecido no âmbito das cidades, questionando as práticas tradicionais de
planejamento urbano por meio de aplicativos e sistemas participativos em rede,
nos quais a comunidade aponta problemas e se organiza para encontrar soluções.
Ana Isabel cita como exemplo o Hybrid Space Lab, escritório alemão
interdisciplinar: “Seus integrantes acreditam que esses tipos de plataforma
substituirão gradualmente a lógica de design da era industrial, desde quando os
criativos projetam para as massas”. Com tal premissa, bolaram o City Kit,
espécie de jogo online em que os moradores de Hong Kong simulam virtualmente
mudanças para seus bairros. “Apesar de funcionar como celeiro de ideias,
algumas propostas sugeridas ali já foram reproduzidas na prática.”
Seguindo
rastros como esse, Joana vislumbrou o Paperhouses, cujos passos iniciais
ocorreram em 2012 (o lançamento oficial do site é neste mês). “Queríamos
associar qualidade, com talentos do mundo todo, a uma consciência de custo,
descentralizando a construção. Por outro lado, pareceu a nós que essa seria uma
oportunidade de dar um real sentido ao ideal de arquitetura participativa.
Assim, surgiu a noção do open-source – os projetos oferecidos não têm as restrições
típicas de direito autoral e, por isso, podem ser utilizados como base para
variações pelos usuários, partilhadas no link da comunidade de cada casa”,
explica Joana.
Mas,
afnal, como funciona? Escritórios top como o chileno Panorama, o húngaro sporaarchitects
e o da mexicana Tatiana Bilbao foram convidados a elaborar casas de 50 a 200
m2. Exclusivas, são disponibilizadas gratuitamente no endereço online: você
acessa o programa, as plantas kesquemáticas e as imagens exteriores, interiores
e em 3D. No Brasil, o arquiteto escolhido foi Angelo Bucci, cuja proposta ainda
está em etapa preliminar. “A iniciativa merece atenção pelo desafo. Vejo como
uma janela para expandir nossos campos de diálogo”, analisa. Parece simples. No
entanto, uma questão crucial se coloca, relacionada à adequação do desenho
genérico às circunstâncias locais, desde o perfl do lote até os hábitos
culturais. “Essa é a grande provação de qualquer proposta sem terreno. Trata-se
apenas de uma matriz, que tem de ser adaptada do ponto de vista da estrutura,
das instalações e, inclusive, das regras de edifcação do lugar. Para tal, o
usuário deve assumir a responsabilidade da obra, contratando um arquiteto ou
engenheiro, ou delegá- -la a uma das construtoras sugeridas”, detalha Joana.
Ela se refere a uma série de empresas de cada país recrutadas pelo site (por
aqui, essa é uma fase ainda em andamento).
O
acordo prevê valores fixos. “Esses preços são sindicalizados, ou seja, tiram
partido do número de registros por área. Dessa maneira, o interesse comum de
certo grupo de pessoas na cidade de São Paulo, por exemplo, assegura um
desconto coletivo por causa da produção em maior escala. Calculamos uma
economia total de cerca de 30% em relação a uma obra tradicional.” Talvez aí
more seu grande trunfo, uma vez que o valor do projeto em si não pode assumir a
culpa pelo alto custo de uma moradia hoje, sobretudo nas metrópoles cujo metro
quadrado e mão de obra são de custos exorbitantes. “Sua participação é mínima
em relação a todos os itens”, defende Angelo Bucci. E, já que estamos falando
de preços, por quanto sairia uma casa do Paperhouses? “No Brasil, até o
processo estar concluído, estimo que entre R$ 125 mil e R$ 500 mil, de acordo
com o tamanho”, prevê Joana
Para
o arquiteto participante, além da divulgação midiática, envolver-se nesse modo
de trabalho significa responder aos dilemas impostos pela complexa vida nas
cidades. No Paperhouses, ele assume o risco de só receber caso seja firmado um
contrato de consultoria para a construção. “No entanto, muitos veem aí uma nova
forma de fazer arquitetura, que tem não somente virtudes sociais como também
representa intelectualmente um desafio”, garante Joana.
Angelo
reforça o viés cultural: “Só faço arquitetura nesse sentido, pois não acho que,
individualmente, do ponto de vista comercial, essa proposta vá mudar minha
atuação. Por isso, achei importante que o site não disponibilizasse os desenhos
executivos, bastante caros para serem produzidos e claramente endereçados a
profissionais e fornecedores específicos. Eles seriam um alto investimento
nosso que, ao final, teriam pouca capacidade de universalização”.
O
compromisso social é o principal foco de outro sistema open-source, o pioneiro
WikiHouse. Idealizado em 2011 pelos designers ingleses Alastair Parvin e Nick
Ierodiaconou, tinha um intento radical: viabilizar um método construtivo barato
e compacto, passível de ser executado por qualquer pessoa. Para isso, os dois
inventaram um modelo de casa cujo esquema você baixa no site, imprime as peças
de madeira numa máquina 3D e monta. Fácil? Nem tanto, mas, desde que o conteúdo
entrou no ar, cinco protótipos já apareceram pelo mundo, em países como Nova
Zelândia e Estados Unidos. “Se formos sérios aoenfrentar as consequências da
rápida urbanização e das mudanças climáticas, precisaremos desenvolver
estruturas autônomas sustentáveis e colocá- las para uso comum”, diz Alastair.
O site conta com um sócio no Brasil, o pesquisador Jimmy Greer, também inglês.
“Achei que seria muito bom utilizar o WikiHouse no Rio de Janeiro como um
laboratório dentro das favelas, agregando o conhecimento da comunidade às
condições locais”, explica Jimmy, que se juntou ao empreendedor social carioca
Anderson França, o Dinho. “Somos voluntários e, apesar de não termos um espaço
oficial definido para instalar o escritório ou uma região fechada para atuar,
já conseguimos o equipamento. A previsão é de que tudo esteja funcionando
dentro de um mês”, promete Jimmy. Se der certo, o modelo “made in Rio” vai
virar exemplo e ser partilhado no site. Como manda o open-source.
Fonte:
Casa Abril