Conhecido por ter erguido enormes estátuas de pedra, o povo
rapanui deixou de existir porque não foi capaz de preservar o lugar em que
vivia: a Ilha de Páscoa. Seu legado sombrio nos serve de alerta.
Ao descobrir uma pequena ilha no meio do Pacífico Sul, no
domingo de Páscoa de 1722, o navegador holandês Jacob Roggeveen ficou
impressionado. Não pela beleza, pois já havia visto ilhas bem mais
paradisíacas. O que causou espanto foram gigantescas estátuas de pedra,
espalhadas pela ilha. Nos 150 anos que se seguiram, pelo menos mais 53
expedições européias alcançaram o pedaço de terra.
Os diários de bordo dos
exploradores relatam que, a cada nova visita, menos daquelas figuras enormes
eram avistadas ao longe: elas estavam todas sendo derrubadas. Até que, em 1825,
os tripulantes de um navio inglês não encontraram mais nenhuma em pé. Segundo
os exploradores europeus, as estátuas, chamadas de moais, pareciam testemunhas
de uma sociedade em colapso.
O próprio Roggeveen escrevera em seu diário:
"A aparência destruída não poderia dar outra impressão além de pobreza e
improdutividade singulares". Em meados do século 18, o povo rapanui, que
habitava a Ilha de Páscoa, já estava em decadência. Bem antes da chegada dos
europeus, a ilha experimentara séculos de progresso, com plantações em franca
expansão e comida abundante. Em algum momento, entretanto, algo deu muito
errado. A população cresceu demais, as florestas sumiram, o solo sofreu erosão,
a agricultura não vingou mais e as aldeias rapanuis se consumiram em guerras.
Quando a Ilha de Páscoa entrou em colapso, os moais foram
todos derrubados.
Para um grande número de pesquisadores, o colapso foi
causado pela ação descuidada do homem sobre a natureza. Não é à toa que a Ilha
de Páscoa é atualmente apontada como uma espécie de metáfora do futuro da
Terra: o que houve com os rapanuis é mais ou menos o que pode acontecer com a
gente.
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Umbigo do mundo
Distante 3600 quilômetros do continente mais próximo, a América do Sul, e 2 mil
quilômetros da ilha mais próxima, Pitcairn, a Ilha de Páscoa é um dos pontos
mais isolados do planeta. Tem 163 quilômetros quadrados¿- metade da área de
Belo Horizonte, a capital mineira. O nome dado pelos rapanuis a seu território
fazia jus à situação geográfica: Te Pito Henua (algo como "o umbigo do
mundo"). A ilha também era chamada de Rapa Nui, ou "Rapa Grande",
por sua semelhança com uma ilha menor chamada Rapa. A história da ilha é
controversa. Não existe nenhum registro escrito anterior à chegada dos
europeus.
A data da colonização do local também não é certa. Estudos recentes
apontam que, por volta do ano 1000, ela foi alcançada por povos polinésios.
Pouco mais de 100 deles teriam encontrado uma ilha rica em fauna e flora, com
solo fértil, coberta por um tipo grande de palmeira, que costumava alcançar 25
metros.
A tradição rapanui conta que o primeiro colonizador, Hotu Matu'a,
chegou à ilha com sua família. A lenda é que ele teria se transformado no
primeiro rei de Rapa Nui - e seus descendentes, assumido o posto nos séculos
seguintes. Os rapanuis eram comandados por um único líder, mas a sociedade se
dividia em vários clãs familiares. Eles viviam em casas feitas de madeira,
palha e folhas secas. Os vilarejos mais ricos eram os que tinham mais
galinheiros - enormes e feitos de pedra -, pois as galinhas eram uma importante
moeda de troca.
O ponto mais importante de cada vila era o centro cerimonial.
Esses centros eram compostos de um altar, o ahu, sobre o qual os gigantescos
moais ficavam. As estátuas de pedra eram construídas em homenagem a alguém
importante do clã que havia morrido. Sua posição estratégica - de costas para o
mar, olhando para o vilarejo - servia para que, direto da outra vida, o morto
continuasse a olhar por seu povo.
Adeus às árvores.
Adeus às árvores.
Entre os séculos 11 e 14, a sociedade rapanui viveu seus dias de glória. O solo
vulcânico favorecia o cultivo de diversos alimentos, especialmente a
batata-doce. A agricultura eficiente resultou em um baita crescimento
populacional - estima-se que a ilha chegou a ter 15 mil pessoas. Aí começaram
os problemas.
Um
número maior de habitantes exigia que mais áreas fossem devastadas. "O
plantio em grande escala necessita de um campo aberto", afirma o
arqueólogo Christopher Stevenson, autor de Easter Island Archaeology
("Arqueo¿logia da Ilha de Páscoa", inédito em português).
"Outras demandas pela madeira foram para usá-la como combustível e nas
estruturas de casas e barcos." As palmeiras serviam para construir as
canoas que os habitantes da ilha usavam em alto-mar para pescar um importante
item de sua dieta: golfinhos.
Como a vida marinha ao redor da ilha não era tão
abundante, só os pescadores mais experientes, com suas canoas duplas
(semelhantes a catamarãs), conseguiam trazer golfinhos para a mesa. A carne do
bicho era muito apreciada, assim como a de foca e de 25 tipos de pássaros
selvagens. Adivinhe como isso tudo era preparado? Com a queima da lenha
retirada nas florestas. Mas não era só a alimentação que provocava
desmatamento. Ele foi intensificado por uma disputa que tomou conta da ilha: a
obsessão por construir moais. Os diferentes vilarejos criavam estátuas cada vez
maiores. Os primeiros moais, que teriam sido feitos por volta de 1100, tinham
entre 2 e 3 metros de altura. Já o maior que chegou a ser posto sobre um altar,
esculpido cerca de 300 anos depois, tem 10 metros e pesa 82 toneladas.
Aos pés
do vulcão Rano Raraku, onde todos os moais eram construídos, há uma estátua com
mais de 15 metros e cerca de 270 toneladas, que não chegou a ser terminada. Mas
o que fazer moais tem a ver com derrubar árvores? Segundo os pesquisadores,
levar um moai do vulcão até um vilarejo e deixá-lo em pé era um trabalho que
exigia muita madeira. Clique gráfico abaixo para ampliar:
Além
disso, de acordo com a arqueóloga americana Jo Anne van Tilburg, da Universidade
da Califórnia, um quarto dos alimentos de Rapa Nui era consumido no processo de
produção e transporte dos moais - atividades que envolviam entre 50 e 500
pessoas de cada vez. Conforme as palmeiras eram arrancadas, uma série de
problemas no solo começou a aparecer. "A terra de cultivo ficou exposta ao
sol, ao vento e à chuva", afirma o arqueólogo Claudio Cristino, da
Universidade do Chile, um dos maiores estudiosos de Ilha de Páscoa.
O solo
sofreu erosão e muitos vilarejos ficaram inabitáveis, pois nada brotava ao seu
redor. "Com a destruição dos solos férteis, não é difícil imaginar
drásticos períodos de fome em Rapa Nui. Tensões sociais extremas causaram
conflitos e a população da ilha, que teria chegado a 15 mil pessoas, começou a
diminuir", diz Cristino, autor de 1000 Años en Rapa Nui ("1000 anos
em Rapa Nui", sem tradução para o português). Esse processo de decadência,
de acordo com a maior parte dos estudiosos, ocorreu entre os séculos 16 e 17 -
antes da chegada dos europeus.
Segundo Cristino, a tradição oral rapanui
menciona um período de guerras entre aldeias. Quando derrotavam os membros de
determinado clã, os vencedores derrubavam os moais do vilarejo de cara para o
chão - a maior humilhação que podia ser feita. As expedições européias que visitaram
a Ilha de Páscoa ajudaram a piorar a crise, espalhando epidemias e levando
pascoenses como escravos. No fim do século 19, havia pouco mais de 100 pessoas
na ilha.
Basicamente
o mesmo número que teria aportado por lá 1000 anos antes e fundado a sociedade
rapanui.
Culpa de quem?Estudiosos divergem quanto aos motivos do desastre da ilha. O geógrafo Jared Diamond, autor de matérias e livros sobre o assunto, batizou a tragédia de "ecocídio". Ao devastar os recursos naturais da ilha, os rapanuis teriam provocado um desequilíbrio que resultou no fim de um ecossistema e causou seu próprio extermínio. "A história da Ilha de Páscoa é o exemplo extremo de destruição florestal no Pacífico e está entre os mais extremos do mundo: a floresta desapareceu e todas suas espécies de árvores se extinguiram", escreveu.
Culpa de quem?Estudiosos divergem quanto aos motivos do desastre da ilha. O geógrafo Jared Diamond, autor de matérias e livros sobre o assunto, batizou a tragédia de "ecocídio". Ao devastar os recursos naturais da ilha, os rapanuis teriam provocado um desequilíbrio que resultou no fim de um ecossistema e causou seu próprio extermínio. "A história da Ilha de Páscoa é o exemplo extremo de destruição florestal no Pacífico e está entre os mais extremos do mundo: a floresta desapareceu e todas suas espécies de árvores se extinguiram", escreveu.
Já
para o antropólogo americano Terry Hunt, da Universidade do Havaí, não há
evidência de que o colapso da população tenha ocorrido antes do contato com os
europeus. Hunt sustenta que Rapa Nui foi colonizada bem depois do que se
acredita - por volta de 1200. Assim, não haveria tempo para que, em pouco mais
de três séculos, a população saltasse para 15 mil habitantes.
Sem
superpopulação, a teoria do ecocídio não faria muito sentido. Para Hunt, a
queda das árvores foi causada por uma mudança climática que ocorreu ao longo
dos séculos. E foi intensificada por uma espécie trazida pelos europeus: os
ratos. Alimentando-se de frutos e sementes da palmeira, os roedores
dificultavam o nascimento de novas árvores. Discordando da maioria dos
especialistas, Hunt afirma que a ação dos colonizadores foi decisiva para
acabar com o povo rapanui - assim como ocorreu com muitas outras sociedades
pré-colombianas da América, dos astecas aos tupinambás. As expedições européias
que freqüentaram a Ilha de Páscoa entre 1722 e 1877 tinham como principal
atrativo a população local. Os homens serviam de mão-de-obra escrava em países
colonizados pela Espanha e pela Inglaterra. As mulheres viravam escravas
sexuais.
O missionário alemão Sebastian Englert escreveu sobre dois navios que
chegaram lá à procura de escravos. Segundo o padre, a tripulação capturou 150
nativos e os levou ao Peru, onde todos foram vendidos. Diversas outras
expedições fizeram o mesmo.
Na opinião do britânico John Flenley, professor de
Geografia na Universidade Massey, na Nova Zelândia, e co-autor de The Enigmas
of Easter Island ("Os enigmas da Ilha de Páscoa", também inédito em
português), o que ocorreu foi uma combinação de fatores. "A superpopulação,
o declínio dos recursos naturais, a exaustão do solo, as guerras e
possivelmente uma mudança climática levaram a sociedade à extinção", diz.
"Há a possibilidade de um contato prévio com os espanhóis ter auxiliado,
mas não há evidência real para isso." Flenley não acredita na teoria do
"ecocídio". "Isso soa rude para o povo rapanui.
Eu acredito que
eles fizeram exatamente o mesmo que outras sociedades fariam. É da natureza
humana explorar o meio ambiente. Apenas o controle de população os teria
salvado, mas os métodos disponíveis eram absurdos, como o infanticídio. Eles
então entraram em guerra. Nós faríamos o mesmo." Hoje a Ilha de Páscoa
pertence oficialmente ao Chile, país ao qual foi anexada em 1888. Seus
habitantes vivem no vilarejo de Hanga Roa, onde funciona o centro comercial da
ilha. Há poucas árvores replantadas na ilha, que vive principalmente do
turismo.
A
história dos antigos rapanuis é contada pelos atuais moradores como exemplo a
não ser seguido hoje, mas o paralelo com o mundo atual é inevitável. "Há
algumas lições a serem aprendidas com a história da Ilha de Páscoa",
afirma John Flenley. "As principais são claras: para não se extinguir, uma
sociedade tem de ter controle de natalidade, conservação ecológica e
sustentabilidade."
Saiba mais:
Livro 1000 Años en Rapa Nui, P. Vargas, C. Cristino e R. Izaureta, Editorial Universitaria, 2006
Saiba mais:
Livro 1000 Años en Rapa Nui, P. Vargas, C. Cristino e R. Izaureta, Editorial Universitaria, 2006
Estudo feito por três décadas, realizado por dois arqueólogos e um cartógrafo,
relata com detalhes a pré-história da ilha. Site ioa.ucla.edu/eisp/history/whatis.htm
O projeto mantido pela arqueóloga Jo Anne van Tilburg tem muitos detalhes sobre
os moais.
Fonte: Planeta Sustentável