Muitas
vezes progresso não rima com desenvolvimento sustentável e preservação
ambiental. Só nos últimos cinco anos, o Brasil assumiu um padrão de poluidor de
primeiro mundo, explicou José Marengo, um dos autores do Quinto Relatório de
Avaliação (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Com
a redução dos índices de desmatamento, a maior causa de emissão de gases de
efeito estufa do país agora é decorrente da queima de combustível fóssil,
especialmente da frota de veículos automotores que circulam pelas cidades
brasileiras.
“Nos últimos anos o desmatamento da Amazônia diminuiu
bastante, mas a frota de carros aumentou. O que coloca o Brasil como um país
poluidor como no primeiro mundo é a queima de combustível fóssil, diesel,
geradores e veículos. Acho preocupante porque sempre criticamos os países
desenvolvidos por isso. A única forma de mudar é favorecer o transporte público
decente”, afirmou o chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Marengo apresentou em um seminário no Rio de Janeiro na sede
do Centro de Informações das Nações Unidas, nesta terça-feira dia 8 de outubro,
os principais resultados do “Resumo para Formuladores de Políticas” (Summary
for Policymakers) do AR5.
Esforço global
As principais fontes de emissão de gases de efeito estufa no
Brasil são a agricultura; a atividade industrial com a queima de combustíveis
fósseis, uso de termoelétricas, frota de carros e o desmatamento com a queima
de biomassa. “Temos que mudar nosso estilo de vida, mas isso é a parte mais
difícil”, admitiu.
No entanto, o esforço não deve ser apenas nacional de alguns
países e sim global a fim de manter um cenário mais conservador de aumento das
temperaturas no próximo século.
“O esforço tem que ser global. Nacional só não adianta porque
a atmosfera é global. O que acontece na China vai ter repostas no Brasil e a
fumaça da Amazônia vai chegar à Argentina e à Europa em algum momento”,
argumentou.
Papel do homem no clima
O relatório do Grupo de Trabalho 1 divulgado, no último dia
27 de setembro, reuniu 259 autores de 53 países que colocaram em mais de 400
páginas informações científicas e projeções para o futuro. A mensagem do
documento é clara: é preciso reduzir as emissões dos gases de efeito estufa e a
influência humana no sistema climático é inequívoca.
Na opinião de Marengo, a única forma é diminuir o volume de
carros, adotar energias renováveis e reduzir o uso de termoelétricas. “Não
podemos zerar a queima de combustíveis fósseis, mas o ideal é misturar e
colocar outras fontes. Isso pode ter um custo elevado”, admitiu.
É a velha história: se um dia quiser comprar uma mesa, mas a
de madeira certificada custa 5 mil reais e a mesma com madeira ilegal terá um
preço quatro vezes menor, “o que você faz?”, questiona Marengo. “Economicamente
você compraria a mais barata, mas ecologicamente a mais cara”.
As medidas de mitigação são caras e atuam no longo prazo.
Segundo o painel intergovernamental, os efeitos das alterações do clima
passarão a ser sentidos de fato a partir de 2040. Mesmo se o mundo parasse hoje
de realizar qualquer emissão de carbono, o planeta levaria duas décadas para
zerar o aquecimento.
“O IPCC fala em aproximadamente 20 anos. Foram centenas de
anos de CO2 acumulados. Mesmo que não libere mais, há um monte de CO2 que tem
que ser consumido”, explicou. Os processos de fotossíntese nas florestas ajudam
a absorver o CO2, mas não têm efeito imediato.
Cenário otimista de temperatura
Os cientistas do relatório indicam a necessidade de se manter
um nível de aquecimento global de até 1,5° a 2° C, como cenário mais otimista.
As três últimas décadas foram as mais quentes. Desde 1950, as mudanças
observadas não têm precedentes e ser mostram “extremamente provável” que a ação
humana tenha sido a causa predominante do aquecimento na metade do século 20. “O
aquecimento acontece de qualquer forma, com ou sem a presença do ser humano.
Mas o homem piora”, salientou.
Os piores cenários indicados no relatório supõem um aumento
de 2,6° à quase 5°C na temperatura do planeta. O mesmo ocorre com a elevação do
nível do mar que, em cem anos, pode chegar a 98 cm. Já no melhor cenário, os
oceanos se elevarão 53 cm.
As causas para isso são várias, explicou Marengo, como a
expansão térmica, a perda de gelo dos glaciais e dos oceanos congelados e a
redução de armazenamento de vapor líquido no continente.
Parece pouco, mas já é o suficiente para gerar um grande
impacto. Com o nível do mar mais alto, as ondas podem avançar, disse o
cientista. “Se tiver um furacão ou ventos fortes, os impactos podem ser como o
do Katrina, nos EUA (em 2005 que matou 1.800 pessoas). Ninguém está pronto,
ninguém está adaptado 100%”, afirmou.
Impactos em cidades e ecossistemas
Já no Brasil e, em geral, na América do Sul, os efeitos mais
evidentes ocorrem nas áreas de maior densidade populacional. As periferias das
grandes cidades concentram as populações com maior exposição ao risco e menor
capacidade de adaptação.
Outro ecossistema que também se mostra vulnerável são os
mangues. Em geral, situados em regiões litorâneas e de água doce, os mangues
podem ser diretamente afetados com a elevação do nível do mar que substituirá a
água doce pela salgada. Este aumento dos mares também podem afetar lençóis
freáticos. “Nas épocas históricas isso era motivo para evacuar uma cidade, e
hoje não mais”.
Agenda ambiental
O problema, na opinião do cientista, é que muitos líderes
globais e países passam mais tempo a culpar os outros pelos problemas e,
enquanto isso, “o planeta continua doente”.
A 19ª Conferência de Partes da Convenção-Quadro
sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que ocorrerá em novembro, em
Varsóvia, na Polônia, será um momento em que líderes poderão tentar mais uma
vez um possível acordo sobre clima.
No entanto, José Marengo se mostra pouco confiante. “A
ciência se reduzirá à política no que será discutido em Varsóvia”, afirma. O
cientista não se diz muito otimista quanto aos possíveis desdobramentos do
tema. “O IPCC estará lá presente e dará uma mensagem um pouco mais forte [sobre
o problema]. Existe uma boa vontade de negociação e conversas, mas na hora H de
assinar documentos, a experiência mostra que não tem sido efetivo”.