Por Elton Alisson
Agência FAPESP – Um grupo de 75
pesquisadores de diversos países-membros da Plataforma Intergovernamental de
Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), que reúne
119 nações de todas as regiões do mundo, fará uma avaliação global sobre
polinizadores, polinização e produção de alimentos.
O escopo do projeto foi
apresentado na última quarta-feira (17/09) em São Paulo, no auditório da
FAPESP, em um encontro de integrantes do organismo intergovernamental
independente, voltado a organizar o conhecimento sobre a biodiversidade no
mundo e os serviços ecossistêmicos.
“A ideia do trabalho é avaliar
todo o conhecimento existente sobre polinização no mundo e identificar estudos
necessários na área para auxiliar os tomadores de decisão dos países a formular
políticas públicas para a preservação desse e de outros serviços ecossistêmicos
prestados pelos animais polinizadores”, disse Vera Imperatriz Fonseca, do
Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto
Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável (ITVDS), à Agência FAPESP.
“Já estamos conhecendo melhor
o problema [da crise da polinização no mundo]. Agora, precisamos
identificar soluções”, disse a pesquisadora, que coordena a avaliação ao lado
de Simon Potts, professor da University of Reading, do Reino Unido.
De acordo com Fonseca, há mais
de 100 mil espécies de animais invertebrados polinizadores no mundo, dos quais
20 mil são abelhas. Além de insetos polinizadores – que serão o foco do
relatório –, há também cerca de 1,2 mil espécies de animais vertebrados, tais
como pássaros, morcegos e outros mamíferos, além de répteis, que atuam como
polinizadores.
Estima-se que 75% dos cultivos
mundiais e entre 78% e 94% das flores silvestres do planeta dependam da polinização por animais,
apontou a pesquisadora.
“Há cerca de 300 mil espécies
de flores silvestres que dependem da polinização por insetos”, disse Fonseca.
“O valor anual estimado
desse serviço ecossistêmico prestado por insetos na agricultura é de US$ 361
bilhões. Mas, para a manutenção da biodiversidade, é incalculável”, afirmou.
Nos últimos anos registrou-se
uma perda de espécies nativas de insetos polinizadores no mundo, causada por,
entre outros fatores, desmatamento de áreas naturais próximas às lavouras, uso
de pesticidas e surgimento de patógenos.
Se o declínio de espécies de
insetos polinizadores se tornar tendência, pode colocar em risco a
produtividade agrícola e, consequentemente, a segurança alimentar nas próximas
décadas, disse a pesquisadora.
“A população mundial aumentará
muito até 2050 e será preciso produzir uma grande quantidade de alimentos com
maior rendimento agrícola, em um cenário agravado pelas mudanças climáticas. A
polinização por insetos pode contribuir para solucionar esse problema”, afirmou
Fonseca.
Segundo um estudo internacional,
publicado na revista Current Biology,
estima-se que o manejo de colmeias de abelhas utilizadas pelos agricultores
para polinização – como as abelhas domésticas Apis mellifera L,
amplamente criadas no mundo todo – tenha aumentado em cerca de 45% entre 1950 e
2000.
As áreas agrícolas dependentes
de polinização, no entanto, também cresceram em mais de 300% no mesmo período,
apontam os autores da pesquisa.
“Apesar de ter aumentado o
manejo de espécies de abelhas polinizadoras, precisamos muito mais do que o que
temos no momento para atender às necessidades da agricultura”, avaliou Fonseca.
O declínio das espécies de
polinizadores no mundo estimula a polinização manual em muitos países. Na China,
por exemplo, é comum o comércio de pólen para essa finalidade, afirmou a
pesquisadora.
“Na ausência de animais para
fazer a polinização, tem sido feita a polinização manual de lavouras de
culturas importantes, como o dendê e a maçã. No Brasil se faz a polinização
manual de maracujá , tomate e de outras culturas”, disse.
Falta de dados
Segundo Fonseca, já há dados
sobre o declínio de espécies de abelhas, moscas-das-flores (sirfídeos) e de
borboletas na Europa, nos Estados Unidos, no Oriente Médio e no Japão.
Um estudo internacional,
publicado no Journal of Apicultural Research,
apontou perdas de aproximadamente 30% de colônias de Apis mellifera L em decorrência da infestação pelo
ácaro Varroa destructor, que diminui a vida das abelhas e,
consequentemente, sua atividade de polinização nas flores, em especial nos
países do hemisfério Norte.
Na Europa, as perdas de
colônias de abelhas em decorrência do ácaro podem chegar a 53% e, no Oriente
Médio, a 85%, indicam os autores do estudo. No entanto, ainda não há
estimativas sobre a perda de colônias e de espécies em continentes como a
América do Sul, África e Oceania.
“Não temos dados sobre esses
continentes. Precisamos de informações objetivas para preenchermos uma base de
dados sobre polinização em nível mundial a fim de definir estratégias de
conservação em cada país”, avaliou Fonseca. “Também é preciso avaliar os
efeitos de pesticidas no desaparecimento das abelhas em áreas agrícolas, que
têm sido objeto de estudos e atuação dos órgãos regulatórios no Brasil.”
Outra grande lacuna a ser
preenchida é a de estudos sobre interações entre espécies de abelhas
polinizadoras nativas com as espécies criadas para polinização, como as Apis mellifera L.
Um estudo internacional publicado
em 2013 indicou que, quando as Apis mellifera L e
as abelhas solitárias atuam em uma mesma cultura, a taxa de polinização aumenta
significativamente, pois elas se evitam nas flores e mudam mais frequentemente
de local de coleta de alimento, explicou Fonseca.
De acordo com a pesquisadora,
uma solução para a polinização em áreas agrícolas extensas tem sido o uso de
colônias de polinizadores provenientes da produção de colônias em massa, como
de abelhas Bombus terrestris, criadas em larga
escala e inclusive exportadas.
Em 2004, foi produzido 1
milhão de colônias dessa abelha para uso na agricultura.
Na América do Sul, o Chile foi
o primeiro país a introduzir essas abelhas para polinização de frutas e
verduras. Em algumas áreas onde foi introduzida, entretanto, essa espécie
exótica de abelha mostrou ser invasora e
ter grande capacidade de ocupar novos territórios.
“É preciso estudar mais a
interação entre as espécies para identificar onde elas convivem, qual a
contribuição de cada uma delas na polinização e se essa interação é positiva ou
negativa”, indicou Fonseca.
“Além disso, a propagação de
doenças para as espécies nativas de abelhas causa preocupação e deve ser um
foco da pesquisa nos próximos anos”, indicou.
Problema global
De acordo com Fonseca, a
avaliação intitulada Polinizadores, polinização e
produção de alimentos, do IPBES, está em fase de redação e deverá
ser concluída no fim de 2015.
Além de um relatório técnico,
com seis capítulos de 30 páginas cada, a avaliação também deverá apresentar um
texto destinado aos formuladores de políticas públicas sobre o tema, contou.
“A avaliação sobre polinização
deverá contribuir para aumentar os esforços de combate ao problema do
desaparecimento de espécies de polinizadores no mundo, que é urgente e tem uma
relevância política e econômica muito grande, porque afeta a produção de
alimentos”, afirmou.
A avaliação será o primeiro
diagnóstico temático realizado pelo IPBES e deverá ser disponibilizada para o
público em geral em dezembro de 2015. O painel planeja produzir nos próximos
anos outros levantamentos semelhantes sobre outros temas como espécies invasoras,
restauração de habitats e cenários de
biodiversidade no futuro.
Uma estratégia adotada para
tornar os diagnósticos temáticos mais integrados foi a criação de forças-tarefa
– voltadas à promoção da capacitação profissional e institucional, ao aprimoramento
do processo de gerenciamento de dados e informações científicas e à integração
do conhecimento tradicional indígena e das pesquisas locais aos processos
científicos –, que deverão auxiliar na produção do texto final.
“O IPBES trabalha em parceria com
a FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura],
Unep [Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente], CBD [Convention on Biological Diversity], Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura] e todos os esforços anteriores que trataram do tema de
polinização”, afirmou Fonseca.
A polinização foi o primeiro
tópico a ser escolhido pelos países-membros da plataforma intergovernamental,
entre outras razões, por ser um problema global e já existir um grande número
de estudos sobre o assunto, contou Carlos Joly, coordenador do Programa FAPESP
de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da
Biodiversidade (BIOTA-FAPESP) e membro do Painel Multidisciplinar de
Especialistas do IPBES.
“Como já há um arcabouço muito
grande de dados sobre esse tema, achamos que seria possível elaborar
rapidamente uma síntese. Além disso, o tema tem um impacto global muito grande,
principalmente por estar associado à produção de alimentos”, avaliou Joly.
Os 75 pesquisadores
participantes do projeto foram indicados pelo Painel Multidisciplinar de
Especialistas do IPBES, que se baseou nas indicações recebidas dos
países-membros e observadores da plataforma intergovernamental.
Dois do grupo são escolhidos
para coordenar o trabalho, sendo um de um país desenvolvido e outro de uma
nação em desenvolvimento.
“O convite e a seleção da
professora Vera Imperatriz Fonseca como coordenadora da avaliação é reflexo da
qualidade da ciência desenvolvida nessa área no Brasil e da experiência dela em
trabalhar com diagnósticos nacionais”, avaliou Joly. “Gostaríamos de ter mais
pesquisadores brasileiros envolvidos na elaboração dos diagnósticos do IPBES.”
Leia mais sobre a reunião do
IPBES na sede da FAPESP em http://agencia.fapesp.br/painel_intergovernamental_discute_capacitacao_para_pesquisas_em_biodiversidade/19840/
Fonte: FAPESP