Quem
costuma ir à feira livre sabe: a qualidade e o preço da comida são
influenciados diretamente pelo tempo. “Choveu demais, freguês, por isso que o
preço do tomate subiu” é uma típica justificativa dos vendedores. A produção de
alimentos sempre esteve suscetível a essas variações, mas, no cenário das
Mudanças Climáticas, os extremos climáticos serão mais frequentes e se tornam
verdadeiras ameaças à segurança alimentar das populações.
Para
evitar que falte comida no prato, é preciso diminuir a emissão de gases de
efeito estufa (GEE), responsáveis pelas Mudanças Climáticas. Agropecuária,
produção de energia, mudança no uso da terra (diminuição da cobertura vegetal),
queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e derivados) são algumas das
atividades humanas que emitem esses gases e levam ao aumento da temperatura
média do planeta. O aquecimento global, por sua vez, provoca o aumento da
frequência das situações extremas, como secas e mudanças no ciclo das chuvas,
como alerta o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), do qual
fazem parte renomados cientistas do mundo inteiro.
O
crescimento acelerado da população torna o desafio ainda mais urgente: hoje
somos 7 bilhões de seres humanos, mais que o dobro da população de 50 anos
atrás. Em 2050, seremos 9 bilhões. Segundo o IPCC, até 790 milhões de pessoas
podem estar sob risco de insegurança alimentar já em 2020. Em 2050, o número
pode chegar a 1,3 bilhão.
Atualmente,
algumas regiões já enfrentam graves problemas como desnutrição infantil, mortes
por inanição e até conflitos por conta da falta de alimentos. Recentemente a
Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) emitiu alerta sobre a crise
alimentar na África Oriental e Austral, onde após dois anos de seca extrema,
quase 1 milhão de crianças sofre de desnutrição aguda grave.
Segundo
os cientistas, as mudanças climáticas podem interferir na segurança alimentar
em todas as suas dimensões, como definidas pela Organização das Nações Unidas
para Alimentação e Agricultura (FAO): produção e disponibilidade,
abastecimento, acesso e utilização. Isso porque, além do risco de perda de
safras, há risco de dificuldades de transporte e armazenagem de alimentos,
mudanças em políticas de distribuição e investimentos, entre outros fatores
socioeconômicos. Vale lembrar que o clima não é o único fator relacionado à
segurança alimentar. Garantir a alimentação da população global dependerá
também, entre outras, de decisões sobre políticas públicas, fluxos comerciais e
políticas de distribuição e subsídio.
Uma
pesquisa divulgada em abril pelo Instituto Potsdam de Pesquisa de Impacto
Climático (PIK, na sigla em inglês) afirma que até 14% das emissões geradas
pela agricultura em 2050 poderiam ser evitadas administrando melhor o uso e a
distribuição dos alimentos. Em 2010, mais de 20% das emissões globais totais de
gases de efeito estufa tiveram sua origem na agricultura. Segundo o estudo,
portanto, evitar a perda e o desperdício de alimentos evitaria emissões
desnecessárias e ajudaria a mitigar a mudança climática.
Outro
achado dos pesquisadores do Instituto Potsdam foi que, embora a necessidade
média de alimentos por pessoa permaneça quase constante nas últimas cinco
décadas, a disponibilidade de alimentos cresceu rapidamente, levando a um
aumento de mais de 300% nas emissões, relacionadas a um excedente alimentar
cada vez maior.
Safras
prejudicadas
Cada
parte do planeta sofrerá impactos diferentes das mudanças climáticas sobre a
disponibilidade de alimentos. Países tropicais em desenvolvimento como o
Brasil, por exemplo, devem sentir mais o impacto do que outros países, segundo
o IPCC. Um estudo recente encomendado pelo governo federal mostra que no Brasil
a queda na produção de soja, nosso principal produto de exportação agrícola,
pode ser de até 39% em 2040, em cenários de alta intensidade de emissão dos
gases causadores do efeito estufa, devido a condições de temperatura e chuvas,
causadas pelas mudanças globais no clima. O feijão, arroz e milho de segunda
safra podem ter redução de área de cultivo em até 26%, 24% e 28%,
respectivamente.
Globalmente,
o potencial para a produção de algumas culturas pode até subir com o aumento da
temperatura média em longo prazo, como um fator isolado, desde que esse aumento
não seja superior a 3 graus Celsius em relação à média de temperatura
registrada no período anterior à industrialização. Mas dificilmente haverá
motivos para comemorar: efeitos como desertificação e inundações podem reduzir
a área de cultivo e causar perdas de safras.
O
impacto na pesca
E
o que faremos quando peixes, crustáceos e outros seres marinhos estiverem em
falta não só para nós como para toda a cadeia alimentar? Assim como a
agropecuária, a pesca poderá sofrer consequências, tanto pela perda de área de
viveiros por conta de inundação e erosão costeira em áreas baixas como pelo
impacto da chamada “acidificação dos oceanos” – em que o PH da água dos mares é
alterado por conta da absorção do gás carbônico (CO2), ameaçando os
ecossistemas marinhos.
Com
o derretimento das geleiras e o consequente aumento do nível do mar, as zonas
costeiras podem ter outro problema: a contaminação da água, diminuindo assim a
capacidade de produção e levando ao consumo de alimentos em condições
inadequadas. Será uma preocupação recorrente com o aumento de tempestades e
inundações, mesmo para quem está longe do litoral.
Fonte: Instituto Akatu