Orientar as crianças a utilizar a água de forma mais consciente é um ensinamento que vale para toda a vida.
Crises como a de abastecimento de água representam grandes oportunidades para mudar velhos hábitos e ensinar às crianças, na prática, como viver de maneira maissustentável. "As medidas de economia e reutilização da água não devem ser encaradas apenas como procedimentos para momentos de crise. São mudanças no estilo de vida que devem permanecer para sempre", diz a pedagoga Mônica Borba, fundadora e gestora do Instituto 5 Elementos de Educação Para Sustentabilidade.
Afinal, a escassez de água limpa e tratada é um problema que atinge atualmente centenas de cidades brasileiras. Embora as notícias sobre os efeitos da seca e dos problemas de abastecimento em cidades como São Paulo e Itu estejam sobressaindo, o problema não está restrito a essa região e nem é um fenômeno que começou agora. Segundo o Ministério da Integração Nacional, no ano passado a seca levou mais de 1265 cidades em 13 estados do Nordeste e do Sudeste a decretarem situação de emergência. Ainda hoje, mais de 900 municípios continuam em emergência.
Para a ambientalista Cláudia Visoni, uma das fundadoras do movimento Cisterna Já, iniciativa de cidadãos que buscam alternativas diante da crise da água, um dos primeiros conceitos que deve ser ensinado é sobre o valor da água para nossas vidas: devemos nos preocupar e preservar esse recurso não apenas quando percebemos que ele está escasso, mas também nos tempos de abundância. É preciso ter sempre em mente que a água limpa e tratada não é um recurso infinito. Em seu blog, Simplesmente, ela orienta a fazer uma reflexão sempre que se abrir uma torneira: "Preciso mesmo de água tratada e potável para o que pretendo fazer? Será que eu consigo atender a essa minha necessidade reutilizando água? A água que acabei de usar precisa mesmo ir para oesgoto? Será que eu consigo armazená-la para um uso futuro?".
Além de mostrar o valor da água e as formas de preservá-la, os pais e os colégios também podem utilizar esse momento de conscientização para desenvolver conceitos de disciplinas escolares como matemática, história, ciências e geografia.
Veja de que maneira e quais outros ensinamentos podem ser transmitidos às crianças no que se refere ao uso adequado desse recurso vital:
1. CALCULE COM SEU FILHO O CONSUMO E A CAPACIDADE DA CAIXA D'ÁGUA
Antes de ensinar as crianças sobre como economizar é interessante mostrar a elas o quanto necessitamos, o quanto gastamos e, muito importante, o quanto é desperdiçado. Comece analisando junto com seu filho a conta de água da família. Ali será possível observar a quantidade consumida em metros cúbicos e o histórico de consumo nos últimos meses. Proponha que vocês voltem a avaliar nos próximos meses se o consumo está caindo depois de adotar algumas medidas de economia.
Você também pode calcular com seu filho quantas vezes é preciso encher a caixa d’água da residência para dar conta do consumo mensal da família. Basta converter o volume da caixa d´água para metros cúbicos (lembrando que 1 m3 = 1000 litros) e dividir pelo consumo mensal, também em metros cúbicos. Dessa forma dá para perceber quantos dias a casa tem de autonomia hídrica, ou seja, quanto tempo a água dura se o abastecimento for interrompido.
Com base nisso, a família pode planejar como economizar ou como aumentar sua capacidade de reservar água. Um exemplo simples: se a capacidade é da caixa é de mil litros (1 m3) e o consumo mensal é de 10 m3, deduz-se que a autonomia é para 0,1 mês, ou seja, 3 dias. Se vocês moram em apartamento, procurem conhecer a capacidade do reservatório do prédio e dividir pelo consumo total mensal.
2. ESTABELEÇA LIMITES PARA O USO DA ÁGUA
Crianças de todas as idades, mesmo as pequenas, devem ser orientadas sobre os limites para o uso de água em cada atividade diária. Para ser melhor entendido, esse limite precisa ser visível. Por isso, abuse das canecas, bacias e baldes. Eles ajudam a dar dimensão do quanto gastamos e do quanto desperdiçamos. "Os adultos precisam mostrar qual a quantidade que pode ser usada em cada atividade. Por exemplo: para escovar os dentes, basta utilizar o volume de uma caneca. Quando for tomar banho, coloque uma banheira ou uma bacia debaixo do chuveiro e diga até que limite ela pode ficar cheia. Estamos mal acostumados a deixar a torneira aberta o tempo todo e com isso perdemos a noção de quanta água usamos para cada tarefa do nosso dia a dia", afirma a pedagoga Mônica Borba, fundadora e gestora do Instituto 5 Elementos de Educação Para Sustentabilidade.
3. ENSINE COMO REUTILIZAR A ÁGUA
Nossa vida depende da água e diversas tarefas do nosso dia a dia não são possíveis sem esse recurso. Mas, será que é necessário usar a água tratada e potável - aquela que sai das torneiras - para todas essas atividades? A ambientalista Claudia Visoni ensina que é possível recolher e reutilizar boa parte da água que consumimos hoje em dia.
Comece ensinando a seu filho sobre a diferença entre tarefas em que a água potável é indispensável e aquelas em que é possível utilizar outro tipo de água. Por exemplo: para beber, cozinhar, lavar as mãos e tomar banho precisamos de água potável. Já para lavar o chão, lavar o carro, regar as plantas e dar descarga no sanitário não é necessário que a água seja potável.
"A água recolhida na bacia ou banheira depois do banho pode ser reutilizada para jogar no vaso sanitário, assim como é possível colocar um recipiente também dentro da pia do banheiro para recolher a água da lavagem das mãos e escovação dos dentes para dar a descarga", diz Claudia. Da mesma forma, se a água resultante da lavagem de pratos e da lavagem de roupas for recolhida, poderá ser reutilizada para regar plantas ou lavar o chão. No caso da rega de áreas verdes, uma dica importante é usar produtos de limpeza menos poluentes, como o sabão de coco, para que não prejudique as plantas.
4. ENSINE SOBRE A IMPORTÂNCIA DA ÁGUA DA CHUVA
Mostre às crianças que a água da chuva também pode ser recolhida para utilização em atividades domésticas. Porém, é fundamental ensinar que ela precisa ser armazenada corretamente para evitar a proliferação de mosquitos que transmitem doenças como adengue. "Importante ressaltar que a água da chuva não é potável, não pode ser bebida ou usada para cozinhar, mas pode ser usada para limpeza e para regar plantas", diz a ambientalista Claudia Visoni. A água da chuva pode ser coletada diretamente das calhas e armazenada em cisternas que devem ficar bem fechadas e ao abrigo da luz. Quem mora em casa e tem crianças maiores pode até construir sua própria cisterna caseira junto com os filhos. O movimento Cisterna Já* disponibiliza pela internet um manual detalhado de como fazer isso.
5. ECONOMIZAR ÁGUA TAMBÉM É ECONOMIZAR ELETRICIDADE E REDUZIR CONSUMO
Economizar água não significa apenas controlar o uso do líquido que sai das torneiras de casa. "É importante mostrar também às crianças a relação entre a água e a energia elétrica, já que em nosso país a maior parte da energia vem de hidroelétricas. Ou seja, quando economizamos eletricidade, também estamos economizando água. Portanto é importante ensinar os filhos a só manter luzes acesas quando realmente necessário. E dizer que banhos demorados gastam água duplamente: tanto a água que sai do cano quanto a água usada para produzir a energia e esquentar o chuveiro", explica a pedagoga Mônica Borba, fundadora e gestora do Instituto 5 Elementos de Educação Para Sustentabilidade.
Da mesma forma, as crianças podem ser alertadas para reduzir o consumo em outras atividades com o objetivo de diminuir a necessidade de uso de água. Alguns exemplos: mostrar que ela deve refletir antes de mandar roupas para a lavanderia e só colocar no cesto as roupas se estiverem realmente sujas; orientar a não pegar um copo limpo a cada vez que for tomar água, mas utilizar o mesmo copo durante um dia inteiro para diminuir a quantidade de louça a ser lavada. São pequenos detalhes que no final fazem uma grande diferença.
6. MOSTRE DE ONDE A ÁGUA VEM E COMO AVALIAR SUA QUALIDADE
Que tal programar um passeio no fim de semana para mostrar às crianças as diferentes fontes de água espalhadas pela cidade e fazer uma reflexão sobre o seu estado atual? "Os pais podem levar os filhos a uma área onde existam nascentes de água, para mostrar de onde vem aquela água, a relação com a vegetação ao redor", diz a pedagoga Mônica Borba, fundadora e gestora do Instituto 5 Elementos de Educação Para Sustentabilidade. E não é preciso ir muito longe para encontrar onde estão essas nascentes ou rios. Mesmo dentro de uma grande cidade como São Paulo é possível encontrar com facilidade diversas delas: basta consultar grupos como Existe Água em SP* e Rios e Ruas* para ter preciosas dicas.
A qualidade das águas também pode ser objeto de estudo das crianças. No colégio Mater Dei, um projeto feito em parceria com a Unesco e o SOS Mata Atlântica levou alunos do 7º ano a visitas ao Córrego do Sapateiro, que fica próximo a escola. "Os alunos visitam o córrego acompanhados de um técnico que recolhe amostra da água e faz a análise de sua qualidade. Em uma próxima etapa desse trabalho, a ser conduzida este ano, os alunos vão estudar quais técnicas de despoluição podem ser utilizadas", explica Sergio Fazzi, coordenador e diretor administrativo do colégio. "Esses alunos depois vão ajudar a replicar esses conhecimementos, contando sua experiência para outros grupos de alunos", acrescenta.
7. ENSINE QUE ÁGUA É UM DIREITO HUMANO
Tão importante quanto ensinar sobre os métodos de economia é educar as crianças para que compreendam que a água e o saneamento básico são direitos humanos, como destaca a Organização das Nações Unidas. De acordo com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, "a água potável segura e o saneamento adequado são fundamentais para a redução da pobreza, para o desenvolvimento sustentável e para a persecução de todos e cada um dos objetivos de desenvolvimento do Milênio". Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), há uma quantidade mínima de água necessária diariamente a cada ser humano: ela varia entre 50 a 100 litros de água por pessoa, por dia, para assegurar a satisfação das necessidades mais básicas e a minimização dos problemas de saúde.
Ainda de acordo com a ONU, "as instalações e serviços de água e saneamento deverão estar disponíveis a preços razoáveis para todos, mesmo os mais pobres. Os custos dos serviços de água e saneamento não deverão ultrapassar 5% do rendimento familiar, ou seja, estes serviços não deverão afetar a capacidade das pessoas adquirirem outros bens e serviços essenciais, incluindo alimentação, habitação, serviços de saúde e educação".
Fonte: Planeta Sustentável