O abandono da auditoria social
nas cadeias globais de abastecimento é uma demanda que costuma aparecer em
diversas situações. Mas, no debate político, não há propostas realistas sobre
como substituir essas auditorias por outras maneiras de se obter as informações
necessárias para melhoria das condições trabalhistas.
Regularmente, são feitos pedidos
para abertura de relatórios sobre auditorias, tornando-as públicas. A
publicação dos resultados de auditorias sociais daria aos sindicatos,
organizações de defesa do trabalho e outras organizações uma melhor
oportunidade de intervenção a favor dos trabalhadores, quando observarem ou
sentirem que são necessárias discussões sobre melhorias.
Um maior envolvimento é uma
aspiração válida desses atores sociais e não deve ser desconsiderado. Uma
cooperação mais ampla pode, efetivamente, aumentar o impacto da
sustentabilidade no trabalho em que os objetivos principais são, geralmente,
amplamente compartilhados.
Se houver mais transparência, é
possível aumentar a relevância das auditorias sociais como instrumento para
ajudar a proteger os direitos humanos e garantir empregos dignos e condições de
trabalho. A chave do problema está em como aplicar este conceito de forma que o
sistema continue a proteger os trabalhadores e aqueles que fornecem informações
confidenciais aos auditores.
Devemos, claramente, não nos
esquecer de que também os direitos dos fornecedores auditados devem ser
protegidos, bem como o de outros envolvidos. Mudanças nos princípios das
auditorias sociais devem ser abordadas com o máximo cuidado.
A mudança de uma certificação
objetiva das condições de trabalho, do tipo “sim-ou-não”, para um relatório de
auditoria mais detalhado e com mais considerações, poderia ser uma boa solução.
Mais importante ainda seria associar o relatório da auditoria diretamente à
capacitação e remediação nos locais de trabalho dos fornecedores. Afinal, a
proteção dos direitos humanos e a garantia de condições de trabalho dignas
constituem o objetivo de todas essas atividades.
A Social Accountability
International, SAI, (Responsabilidade Social Internacional) revisou
recentemente sua Norma Social SA8000 e associou a certificação do local de
trabalho diretamente à capacitação e remediação através de seu programa Social
Fingerprint. Esse é um exemplo excelente de como a criação de associações
diretas e eficientes entre a auditoria, certificação e remediação pode ser
abordada de maneira concreta e sistemática.
Verificou-se também grande
impaciência entre os sindicatos e outras organizações que alegam que não foram
observadas nem mesmo as mais urgentes mudanças a serem realizadas.
Observamos falhas isoladas nas
auditorias sociais, mas também problemas mais sistêmicos, por vezes
inesperados, até o surgimento de novas situações. O setor de auditoria e os
parceiros de cooperação da comunidade de Responsabilidade Social Empresarial
(RSE) precisam mostrar que são capazes de tratar desses assuntos com regras e
controles mais severos. Na verdade, muito tem sido feito, mas nem sempre com
boa comunicação para um público mais amplo.
Cerca de 15 anos de negócios
conduzidos e as atividades de RSE de múltiplos stakeholders definitivamente
trouxeram melhorias para as condições de trabalhos dos fornecedores. Os
clientes de marcas e varejistas sabem que devem prestar muita atenção aos
aspectos sociais de suas compras. Essa não era a situação antes que a Social
Accountability International e outras instituições entrassem em cena.
Os Princípios Orientadores da ONU
não teriam sido criados sem o trabalho de base realizado também pelas
iniciativas e esquemas voluntários de RSE. O fato de o professor John Ruggie,
da Universidade Harvard, e sua equipe tenham conseguido chegar a um consenso
sobre a responsabilidade de governos e empresas na proteção dos direitos
humanos no trabalho foi um grande feito. O que se fazia necessário era que uma
importante parte da comunidade empresarial já aceitasse suas obrigações e
interesse em abordar diligentemente suas cadeias de abastecimento.
Os esquemas e as iniciativas de
RSE certamente não constituem a única força atrás dessas mudanças. Os
sindicatos e as organizações de defesa do trabalho fizeram sua parte, como
outras tantas organizações. Mas a mudança da atitude corporativa está
grandemente associada ao surgimento da comunidade de RSE, incluindo-se os
auditores sociais.
O próprio sistema de auditoria
social esteve longe de ser infalível.
Sempre haverá situações em que as
auditorias sociais perdem de vista problemas importantes ou falhas nos locais
de trabalhos auditados. Há várias razões para isso, sendo uma delas o fato de
que as auditorias não conseguem cobrir todos os fatores que afetam a situação
do trabalho. A segurança estrutural do edifício, que demonstrou de maneira
trágica ser um problema importante e grave no setor industrial de confecção de
Bangladesh, é mais um dos casos em que outras abordagens e ferramentas se
fizeram necessários.
Deficiências, bem como
desempenhos por vezes inaceitáveis de auditores e empresas em particular podem
claramente prejudicar todo o setor. Podem ocorrer expectativas não
realistas com respeito às auditorias sociais, frequentemente relacionadas às
situações novas e inesperadas. As auditorias não podem desvendar todas as
deficiências no local de trabalho, algo que deveria ser comunicado de maneira
mais eficiente.
É sempre difícil encontrar o
equilíbrio entre a qualidade e os custos de uma auditoria, um problema que
certamente não desaparecerá. Como podem os auditores sociais gastarem tempo
suficiente nas auditorias e na elaboração de relatórios e ainda manter os
clientes envolvidos? Nesses casos, a busca da perfeição pode comprometer o bom
resultado, e uma qualidade transigente pode destruir a confiabilidade de todo o
sistema.
Há exemplos isolados de controles
internos deficientes ou insuficientes. Ainda que pouco comuns, eles
levaram tanto os órgãos de certificação como as empresas de auditoria a tornar
as regras mais severas. O setor de auditoria e a comunidade de RSE como um todo
estão a par dos riscos e muito têm feito para controlá-los.
As diretrizes do Global Social
Compliance Programme, GSCP (Programa de Conformidade Social Global, em tradução
livre), que são usadas como referência para as empresas de auditoria através de
um processo de equivalência, são ferramentas úteis para melhorar o desempenho
das auditorias sociais. Elas refletem um amplo consenso entre empresas e
stakeholders sobre como o sistema de auditoria pode se manter confiável.
Em vários lugares do mundo levará
ainda muito tempo até vermos trabalhadores organizados e seus sindicatos
engajados no diálogo social e nas relações de acordos coletivos com seus
empregadores em uma atmosfera de boa fé e respeito mútuo.
As auditorias continuam a
constituir uma importante parte dos esforços para garantir os direitos humanos
no trabalho e melhorar as condições de trabalho nas cadeias globais de
abastecimento. Se não existisse essa ferramenta, como poderiam as marcas,
os varejistas, seus fornecedores e stakeholders obterem as informações que
necessitam para capacitação e remediação?
Ao invés de dizer não às
auditorias sociais, deveríamos desenvolver e aprimorar essas atividades.
Trabalhadores, sindicatos,
organizações comunitárias e outras organizações precisam se envolver mais no
monitoramento das condições trabalhistas. Clientes de marcas e do varejo
precisam se tornar parte ativa neste trabalho, não podendo terceirizar suas
obrigações de diligência.
O mais importante é que as
auditorias estejam ligadas e sejam seguidas de maneira efetiva e adequada a
remediações e ações corretivas onde for identificada sua necessidade.
*Jan Furstenborg é consultor e
especialista em direitos do trabalho. Foi chefe da UNI commerce Global Union
até 2009. É membro do Conselho Consultivo do Global Social Compliance Programme
(GSCP
Fonte: Instituto Akatu